Por J. R. Guzzo (*)
Oministro Alexandre de Moraes, há cinco anos seguidos ditador judicial do Brasil por esforço próprio, pela proteção da força armada e pela cumplicidade dos que preferem servir mais a ele do que à sua integridade pessoal, encontrou enfim pela frente um cachorro grande — e perspicaz. Não está acostumado a isso. Desde que transformou o Sistema Judiciário do Brasil numa delegacia de polícia que não obedece à lei, mas só a ele, não presta contas a nenhuma autoridade legal do país e persegue adversários políticos e eleitorais com cadeia, multas e censura, Moraes só lida com gente que tem medo dele. Mas acabou incomodando Elon Musk, um dos maiores, mais criativos e mais talentosos empresários do mundo de hoje — e Musk não tem o menor medo de Alexandre de Moraes, ou do Supremo inteiro, ou de qualquer tipo de jornalista da Globo. Resultado: acaba de chamar Moraes, perante o mundo inteiro, de ditador, e de provar que ele é um ditador mesmo. O ministro já foi chamado disso umas 500 vezes, e com todas as letras, aqui dentro do Brasil. Mas agora quem está falando é Elon Musk. Quem está ouvindo é o mundo. Faz toda a diferença.
O fato é que Musk não precisa de Moraes; se nunca mais ouvir falar no seu nome, nos seus inquéritos e nas suas neuroses de Lorde Protetor do Brasil e de Lula, não vai sentir falta de nada pelo resto da sua vida. Tem uma fortuna pessoal próxima aos US$ 300 bilhões, construída por ele próprio desde o primeiro centavo, sem receber herança de ninguém e sem presente do Erário. O que fala é ouvido no mundo inteiro — não só porque tem 180 milhões de seguidores na sua conta no X (ex-Twitter), mas porque qualquer chefe de Estado, ministro e executivo de multinacional tem horário livre para ele. Musk não é o morador de rua que Moraes manteve preso durante 11 meses inteiros, nem os advogados a quem ele manda calar a boca. Chateado com o soviete que controla as redes sociais americanas, tempos atrás, ele não ficou reclamando: comprou o Twitter em 2022 por US$ 45 bilhões e abriu a plataforma para a liberdade de expressão. Ninguém achou ruim: Musk ofereceu mais de US$ 500 por ação, e os acionistas correram para vender. Desde então, o X, como a empresa se chama agora, funciona como o espaço de comunicação e de opiniões mais aberto do mundo.
Elon Musk, em suma, é um homem com ideias, sem nenhuma preocupação em fingir nada e com US$ 300 bilhões no bolso — uma combinação perigosa para quem manda no Brasil como ele é hoje. Musk olha para si, olha para Moraes e tem certeza imediata de quem é mais e de quem é menos. É natural para ele, diante dessa constatação, fazer o que na sua opinião está certo — e não o que a democracia do STF, a esquerda e a maioria dos jornalistas acham que o resto da humanidade têm de fazer. Ficam todos chocados, aí, quando veem um homem se comportar como homem, simplesmente porque tem os meios para isso, e acabam perdendo o rumo de casa. Moraes, na verdade, nem conhece gente assim hoje em dia. Acabou se acostumando a ver os presidentes do Senado e da Câmara, generais três estrelas e os advogados da OAB, mais todos os gatos gordos da vida pública e privada, se colocarem de joelhos na sua presença — e acha que todo mundo é igual. Assim fica fácil. O ministro tem, por sinal, uma distinção pouco notada: só põe na cadeia, e condena a até 17 anos de prisão, gente pobre, sem influência nenhuma, sem amigos na primeira classe, sem crachá. É só ver a lista dos condenados como inimigos da democracia. Tem barbeiro, tem índio, tem motoboy; tem até deputado sem mandato, mas magnata, mesmo, não tem nenhum. Aparece, de repente, um Elon Musk. Aí fica difícil.
O resultado desse xeque-mate foi uma resposta neurastênica, cômica e absolutamente tola. Moraes, em mais um episódio de anedota, incluiu Musk como “investigado” por suspeita de “obstrução criminosa da Justiça”
O ministro e o STF se habituaram a duas reações automáticas diante de qualquer crítica sobre a ditadura judicial que impuseram no Brasil, em favor de um presidente da República condenado por corrupção passiva e por lavagem de dinheiro: ignorar o que ouvem ou prender quem fala. Com Musk não dá para ignorar — o mundo inteiro ficou sabendo o que ele disse. Também não dá para prender, nem colocar tornozeleira, nem apreender o seu passaporte ou pedir a sua extradição. O resultado desse xeque-mate foi uma resposta neurastênica, cômica e absolutamente tola. Moraes, em mais um episódio de anedota, incluiu Musk como “investigado” por suspeita de “obstrução criminosa da Justiça” e de “incentivo ao crime” no inquérito que conduz há cinco anos para investigar “milícias digitais”, “desinformação”, fake news e sabe Deus o que mais. Para que isso tudo, se todo mundo sabe que não vai acontecer nada? Os ministros do governo e a mídia que age como seu serviço de propaganda, por sua vez, deram como fato líquido, certo e consumado que Musk cometeu no mínimo um crime de lesa-pátria: desafiou a “soberania do Brasil”, se “intrometeu em assuntos internos” etc. O que disse foi condenado, por unanimidade, como “ameaça” ao STF.
🇧🇷 SENIOR BRAZILIAN OFFICIAL TO EU PARLIAMENT: BRAZIL IS A DICTATORSHIP
"There are hundreds and hundreds of political Prisoners.
Many of you may think I'm talking about Nicaragua, maybe Cuba, or Venezuela.
I'm talking about Brazil.
Alexandre De Moraes ordered Twitter to… pic.twitter.com/KGwfZx0I4j
— Mario Nawfal (@MarioNawfal) April 11, 2024
O grande problema disso tudo está nos fatos — como nas outras miragens fabricadas para manter viva a ideia de que o Brasil está numa “luta de vida ou morte para salvar a democracia”, segundo afirmou o ministro Luís Roberto Barroso na sua extravagante declamação sobre o caso. O STF, a imprensa e o PT apresentam como prova dos delitos que teriam sido praticados por Musk as palavras que ele escreveu numa série de postagens sobre o X no Brasil. Mas quando se lê, uma a uma, essas palavras, o que foi mesmo que Musk disse? Disse, no fim de todas as contas, o que os brasileiros sabem há anos: que Moraes censura os usuários do ex-Twitter no Brasil. Pediu a aplicação, para eles, do artigo 5º da Constituição, que garante a liberdade de expressão no país. Não pediu nada para a sua empresa. Não pediu que alguma lei brasileira fosse mudada. Só prometeu abolir as mensagens censuradas e a interdição dos perfis ordenada pelo ministro e afirmou que, se o STF forçar o X a sair do Brasil, com suas multas e outros atos de repressão, tudo bem — ele sai, sem problemas. Vai perder dinheiro, mas diz que prefere manter os seus princípios.
“Continuávamos recebendo essas exigências do juiz Alexandre para suspender as contas dos parlamentares e dos principais jornalistas. Não podíamos dizer a eles que isso era a mando do Alexandre, tínhamos que fingir que era devido às nossas regras” 🇧🇷
一 Elon Musk pic.twitter.com/Cc5IOvaUK9
— DogeDesigner (@cb_doge) April 8, 2024
Ninguém, até agora, falou a sério a respeito dessa possível saída. Musk, após as postagens iniciais, deu a entender que não está querendo jogar mais gasolina na fogueira. É melhor, no fundo, que a coisa pare por aí — no caso de uma saída, o Brasil passaria a fazer parte de um clube que inclui o que há de pior no mundo em matéria de liberdade. Ele reúne Coreia do Norte, China, Rússia, Irã e mais do mesmo. A regra é a seguinte: onde não há Twitter, é ditadura. Onde há Twitter, há democracia. O coro de Moraes, naturalmente, diz que Musk é um fascista alienígena e usa a sua plataforma como um instrumento para a divulgação de fake news e a destruição da democracia. Naturalmente, é o contrário.
O que há de errado, ou de falso, em qualquer das afirmações feitas por Musk? É mentira que cidadãos foram proibidos de se manifestar no Twitter/X do Brasil? É pior que isso. Não foram censuradas apenas as postagens já feitas, mas o perfil inteiro dos seus autores — ou seja, Moraes proibiu as pessoas de dizerem o que ainda não tinham dito, e não disseram até hoje. Como falar essas coisas em público, e pedir a aplicação da Constituição, poderia ser uma “ameaça”? As brigadas pró-STF, e os próprios ministros, sustentam que Musk está se negando a cumprir “ordens judiciais”. Que ordens? Nenhuma das decisões que censuraram o X é realmente uma ordem legal, dentro do processo previsto na lei brasileira. As vítimas não tiveram, nem sequer, a assistência plena dos seus advogados. Na verdade, é tudo flagrantemente ilegal. Todo o inquérito perpétuo de Moraes e do STF é ilegal e, como princípio básico de Justiça, todas as medidas tomadas em consequência de uma ação ilegal das autoridades se tornam automaticamente ilegais.
É de se imaginar, ao mesmo tempo, o espanto e as gargalhadas com que os juristas americanos vão receber o “indiciamento” de Musk. Não vão conseguir entender como alguém pode ser investigado por um inquérito perpétuo, ou ser acusado pelo próprio juiz que vai julgar a ofensa — num manifesto que contém frases escritas em letras maiúsculas e pontos de exclamação, como numa dissertação de curso primário. É um desafio, enfim, decifrar o que o ministro Barroso quis dizer em sua bula sobre o tema. O presidente do STF ensinou que, quando alguém discorda de uma decisão judicial, o caminho correto é apelar da sentença, e não se recusar a cumprir o que foi decidido. Apelar para quem? Na Justiça brasileira de hoje, Elon Musk e o resto da espécie humana só podem apelar a Moraes das decisões que foram dadas por Moraes. Em que lugar do mundo isso pode ser considerado normal? É essa a democracia que está sendo “ameaçada” pelo “bilionário estrangeiro”. Ainda bem que ele é bilionário, estrangeiro e pode viver num país sujeito à lei.
(*) J.R. Guzzo é jornalista. Integrante do Conselho Editorial de Oeste, foi um dos criadores da Veja, revista que dirigiu durante quinze anos, a partir de 1976, período em que sua circulação passou de 175.000 para 1 milhão de exemplares semanais. Correspondente em Paris e Nova York, cobriu a guerra do Vietnã e esteve na visita do presidente Richard Nixon à China, em 1972. Responsável pela criação da revista Exame, atualmente escreve no Estado de S. Paulo e na Gazeta do Povo.
Fonte: https://revistaoeste.com/revista/edicao-212/um-homem-sem-medo/