ZDS Abunã-Madeira e a Realidade da Amazônia

Superintendente da Sudam, Louise Caroline Campos Löw - Foto: Divulgação | Sudam

42,84. Esse é o percentual de crianças com até 14 anos de idade extremamente pobres (2010) no município de Lábrea, no Amazonas. Em Canutama, também amazonense, 31,94% de adolescentes de 15 a 17 anos tiveram filhos (2017) e em Cujubim, no estado de Rondônia, 3,83% de meninas entre 10 e 14 anos de idade deram à luz outras crianças em 2017. A taxa de mortalidade infantil no Brasil é de 11,9, sendo que em Canutama é de 46,88 (2019).

Todos os municípios citados compõem a área de ataque de um projeto inovador: a Zona de Desenvolvimento Sustentável Abunã-Madeira. Infelizmente os dados dessa região da Amazônia se aglutinam ao flagelo social: 44% dos municípios da ZDS apresentam Índice de Desenvolvimento Humano-IDH baixo e cerca de 66%, taxas de mortalidade infantil superiores à taxa nacional (11,9 em 2019).

Os índices escancaram a necessidade de políticas públicas específicas para aquela região. Não se trata apenas de números, por trás das estatísticas estão pessoas de verdade, crianças, jovens, idosos que vivem à margem do acesso aos direitos fundamentais. O gap de desenvolvimento entre a Amazônia a as demais regiões do Brasil não é novo, persiste por décadas. Porém, parece ser invisível aos olhos daqueles que pensam a Amazônia de forma reducionista, sem entendê-la como realmente é: uma região complexa e composta por vários elementos. Além da Floresta, há o ser humano, o patrimônio histórico-cultural e a forma como as pessoas interagem com os demais componentes dessa região tão emblemática. A dinâmica entre todos os elementos é que faz, per si, o que chamamos de “meio ambiente”. A ONU, na Conferência de Estocolmo em 1972, definiu meio ambiente como “o conjunto de componentes físicos, químicos, biológicos e sociais capazes de causar efeitos diretos ou indiretos, em um prazo curto ou longo, sobre os seres vivos e as atividades humanas”. Floresta, pessoas, cultura, território, todas as coisas com vida e sem vida que estão no planeta são abarcadas pela definição.

Mas afinal, onde erramos ao excluir as pessoas da proteção a esse conceito de meio ambiente tão deliciosamente difundido e comentado em todas as rodas de conversa? Por que ao encararmos a Amazônia não enxergamos o seu povo? Pior, enxergamos apenas uma parcela dele, eliminando do debate os milhões de habitantes que também se encontram em situação de vulnerabilidade e que querem apenas o que lhes é de direito: serem reconhecidos como integrantes do próprio território e das discussões sobre o que lhes cerca.

Quando o olhar para a Amazônia é despido de estratégias, narrativas falaciosas e vazias (e interesses outros), quando se enxerga a realidade sob a perspectiva e a íris de quem vive aqui é que genuinamente se compreende a Amazônia. Não basta conhecer, é preciso entender. Compreender a forma de ocupação histórica do território e de seu povo.

E para isso uma ida a Manaus ou a Belém em férias, um passeio por nossas praias e uma visita rápida pela Floresta não são suficientes. Entender a Amazônia requer se embrenhar, extrapolar os limites da selva verde e transmutar pela selva de pedra. Caminhar nas ruas das cidades, dos pequenos municípios e das metrópoles com seus bolsões de miséria, com esgoto a céu aberto; ir no famoso “centro”, no comércio, conversar com os feirantes, os ribeirinhos, os empresários, os jovens, homens e mulheres comuns. Encarar três ou cinco dias em um barco para tentar ter acesso àquilo que está à disposição dos demais brasileiros há muito tempo. É vivenciar e sentir na pele as dificuldades de logística, de falta de saneamento, de custos elevados e de distâncias intransponíveis. Crianças balseiras prostituídas em troca de óleo de cozinha no Marajó. A realidade velada que quem abraça apenas a Floresta não quer de fato assumir e desvendar.

Mas está aí e precisa ser enfrentada, de forma emergencial. Tarefa que pela complexidade dos desafios associada a perenidade de problemas estruturantes empurrados por décadas para baixo do tapete requer ações em conjunto e sistêmicas.

Não se faz nada sozinho, muito menos na Amazônia. A superação dos entraves exige a transversalidade de medidas multissetoriais. E aí é que entra a ZDS Abunã-Madeira. Pensada em ser uma resposta para parte dos problemas socioeconômicos da região a que se destina, na qual 44% dos municípios possuem IDH baixo, a Zona de Desenvolvimento Sustentável apresenta projetos exequíveis com a articulação de diversos atores locais. Na região – que engloba inicialmente 32 municípios ao leste do Acre, sul do Amazonas e noroeste de Rondônia – além dos problemas socioeconômicos, há o arco do povoamento adensado e grande pressão sobre a Floresta, especialmente ao sul do estado do Amazonas. Ambas as questões precisam de ações urgentes denotando-se a responsabilidade de gestores públicos, formadores de opinião, setor privado e sociedade civil quanto à necessidade de agirem rapidamente, sob pena de agravamento dos problemas de modo irreversível.

Com o intuito de criar um cinturão de proteção para a Floresta com alternativas à população, mediante quatro modelos de intervenção customizados às peculiaridades das áreas antropizadas, preservadas, em expansão e de cidades intermediárias, foi criado o projeto da ZDS Abunã-Madeira. Antes conhecida como AMACRO (acrônimo das iniciais dos três estados), tomou outros rumos e nova forma: com a coordenação da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia-Sudam, em conjunto com a Superintendência da Zona Franca de Manaus-Suframa, e mais partícipes, nasceu novo projeto, mais amplo, multissetorial e completamente alinhado à sustentabilidade ambiental. Daí também o novo nome: Zona de Desenvolvimento Sustentável. E os pioneiros, idealizadores primeiros do projeto, atentos ao fato de que os problemas estruturantes daquela região requerem uma iniciativa mais robusta e alinhada ao desenvolvimento sustentável, apoiaram a ZDS, que conta com a participação da Embrapa, Federações, os três Governos estaduais, Ministério do Desenvolvimento Regional e outras pastas federais, Conselho Nacional da Amazônia Legal-CNAL, sociedade civil, além de parceiros do setor privado.

Trabalha dois pilares da Política Nacional do Desenvolvimento Regional-PNDR: o Desenvolvimento Produtivo (Agronegócio, Indústria, Bioeconomia, Turismo) e a Infraestrutura Econômica e Urbana (Logística e Transporte, Energia, Telecomunicações). A ideia é potencializar as vocações locais com circuitos produtivos agrosustentáveis, biotecnologia, capacitação e TIC, além de proporcionar a verticalização dos produtos, executar projetos de infraestrutura e logística e incentivar o turismo na região. Tudo debaixo do grande guarda-chuva da sustentabilidade ambiental. Todas as ações da ZDS observam o Plano Regional de Desenvolvimento da Amazônia-PRDA e estão alinhadas aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável-ODS e à Agenda 2030.

É um projeto que olhou a região com base em metodologia bem definida, diagnóstico validado e ouvindo os participantes locais sobre os principais desafios e potencialidades. É de dentro pra fora. Enfrenta a realidade posta mas aposta nas vantagens comparativas da nossa região. E nisso a Amazônia nada de braçada. Muitas boas oportunidades estão aqui e, por meio da Zona de Desenvolvimento Sustentável, serão retirados da vitrine para a composição do mundo real. Não se trata de tábua de salvação, mas uma resposta factível e customizada; projeto-piloto que exitoso será implementado em outras regiões emblemáticas da Amazônia. Vale a pena conhecer, entender e se apropriar da ZDS Abunã-Madeira. O convite está feito!

Louise Caroline Campos Löw | Superintendente da Sudam | Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia

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