Você é do tipo que maltrata o ‘seu’ ChatGPT?

Por Stela Campos (*)

Outro dia, um colega, ao me ver lutando com o ChatGPT para que ele traduzisse um arquivo grande de uma só vez e não em pedaços, interveio e me disse que o problema é que eu era boazinha demais com “ele”. Nada de ser educada, pedir com gentileza, e aconselhou: “seja mais dura!”. “Refaça essa droga! Você considera isso uma resposta? É burro?”, me ensinou. Percebi então, que tratamos nossa inteligência artificial generativa de forma distinta. Enquanto eu tentava fazer prompts diretos mas respeitosos, ele dava broncas horrorosas como se estivesse falando com um funcionário medíocre.

O mais bizarro nessa nossa conversa era que estávamos nos referindo à ferramenta como se ela tivesse sentimentos. Não somos pessoas ingênuas, somos jornalistas, lemos e trabalhamos escrevendo sobre esse tema inúmeras vezes, mesmo assim caímos nessa pegadinha do nosso modelo mental. E posso afirmar, a IA generativa é muito educada em comparação com o que observo na comunicação na vida real. Ela foi muito elegante com o meu amigo, mesmo aguentando tanto desaforo.

Essa situação inusitada me fez pensar por que partimos para o conflito de palavras tão rápido. Seria por conta do estresse, da falta de tempo, da cobrança permanente ou simplesmente porque perdemos o jeito e o cuidado na hora de nos comunicarmos? Mensagens truncadas no WhatsApp, mal entendidos nos e-mails, tudo pode soar muito grosseiro ou passivo-agressivo (como gostam de dizer os americanos). E muitas vezes, nem nos darmos conta disso.

Uma equipe liderada pelo professor de economia Matthew Jackson, da Escola de Humanidades e Ciências de Stanford, conduziu uma pesquisa para caracterizar a personalidade e o comportamento dos bots baseados em IA do ChatGPT. Para isso, eles usaram instrumentos da psicologia e da economia comportamental. O estudo publicado este ano revelou que a versão mais recente do chatbot mostrou-se muito mais cooperativa e altruísta.

Será que o ChatGPT surgiu para nos inspirar a sermos mais educados e gentis na nossa comunicação cotidiana? Está aí uma utilidade que acho que ninguém pensou para a IA generativa, nos ajudar a resgatar um pouco da nossa gentileza no trato com outros humanos. Outro dia li em uma coluna da Emma Jacobs, do “Financial Times”, que ela usava a IA generativa para criar respostas mais simpáticas para os e-mails em que sua primeira vontade seria responder agressivamente. Me disseram, inclusive, que essa prática vem se alastrando pelo mundo corporativo.

Respostas prontas e mais empáticas podem ser úteis para conter a agressividade humana, mas fico pensando até que ponto podem soar falsas e, portanto, demonstrar que a pessoa nem se deu ao trabalho de responder. Sabemos que com o tempo a IA generativa vai se tornando mais e mais inteligente, o tão comemorado “aprendizado de máquina”, e vai soando cada vez mais humana. Por outro lado, nosso “aprendizado de gente” também está se aprimorando para nos ajudar a distinguir o que é escrito por uma máquina.

Quanto mais usamos, mais conseguimos reconhecer um texto genuinamente humano. Nas escolas, os professores estão ficando tão craques nesse reconhecimento que alguns nem usam mais aplicativos que medem o percentual de humano, de AI e de tudo misturado nos trabalhos escolares. No LinkedIn, muitos executivos estão experimentando criar textos com IA generativa para dar conselhos em tópicos, relatar experiências e acabam se sentindo verdadeiros gurus da gestão. Alguns estão tão confiantes em sua nova sabedoria digital que dispensam suas assessorias de comunicação e saem publicando destemidamente os próprios posts.

A má notícia é que não ser original tem um custo. Soa estranho, acredite. Com o tempo, mais pessoas estarão aptas a perceber sua esperteza e quando você se der conta pode ter perdido, inclusive, o hábito de escrever usando as próprias ideias. Nada impede o uso da IA generativa para melhorar um texto, organizar uma apresentação, um currículo, traduzir, resumir, enfim, são muitas as aplicações possíveis, mas é preciso lembrar que ela não cria, não existe um ser pensante por trás da ferramenta, não adianta xingar nem tratar com carinho. É apenas uma máquina.

(*) Stela Campos é editora de Carreira

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