“Viver, Sim. Como Escravo, Não!”: Lançamento do livro de Severino Neto destaca resistência afro-brasileira

O jornalista Severino Neto laçará na próxima sexta-feira, 29.11.24, a partir das 16 horas, na Galeria do Largo de São Sebastião, no centro de Manaus, o livro intitulado “Viver, Sim. Como Escravo, Não! Um romance histórico sobre africanos e africanas que chegaram como escravos à Amazônia, na região do Baixo rio Amazonas, bem como afro-brasileiros escravizados, que rebelam-se nas senzalas de fazendas de gado e de plantações de cacau, fogem e sustentam suas vidas em liberdade acima das “águas bravas” (regiões de cachoeiras) do rio Trombetas, na então Província do Grão-Pará, área dos atuais Estados do Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia e Roraima.

O projeto do livro foi incentiva pela Lei Paulo Gustavo, sob gestão do Ministério da Cultura e da Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa do Estado do Amazonas.

“O que me fascinou a escrever o livro é o fato dos rebelados terem conseguidos seus objetivos de fugir e sustentar suas liberdade durante cerca de 100, até a assinatura da Lei Área. É um capítulo singular da história brasileira, porque é uma história de sucesso, daquilo que deu certo para escravos e escravas, que era livrar-se das torturas, humilhações e horas extenuantes de trabalho forçado”, explica o jornalista.

Neto conta que, de acordo com suas pesquisas, para conseguirem sustentar suas vidas libertas, negros e negras que se refugiaram na calha do rio Trombetas foram extremamente habilidosos na arte de se relacionar com os povos indígenas que já habitavam o rio e também com os “brancos”, principalmente das vilas de Óbidos e Santarém.

“Com os indígenas conseguiram aprimorar as técnicas de sobrevivências na Amazônia. Com parte dos “brancos” das vilas próximas, estreitaram forte relação comercial, principalmente com regatões que subiam o rio levando utensílios domésticos, tecidos, sal, armas, munições e outros produtos, para trocar por tabaco, breu, castanha, cumaru, peixes-salgados e outros produtos da floresta.”

“Outra coisa interessante para garantir a vida livre eram as informações que os regatões levavam das vilas. Como eram pequenos aglomerados populacionais, os regatões que também possuíam estabelecimentos comerciais nas vilas, sabiam praticamente de tudo, inclusive a formações de expedições de captura e informavam os quilombolas”, explica Neto.

Athanázio, Cabanagem e o Maravilha

De acordo com o jornalista, por volta de 1850 havia na calha do rio Trombetas cerca de 2.000 quilombolas.

“Era um número de habitantes bem superior a muitas vilas da Amazônia. E essa população foi formada principalmente durante o período da guerra civil denominada de Cabanagem, porque foi o momento em que muitos fazendeiros abandonaram suas propriedade devido às incursões cabanas ou foram mortos em confrontos, fatos que facilitavam as fugas”.

O jornalista explica que mesmo antes da explosão da guerra civil cabana, houve um evento que também foi fundamental para a formação das atuais gerações de quilombolas do rio Trombetas, que foi a fuga de Athanázio em 1821.

“Foi certamente o maior evento no que se refere à fuga em massa de escravizados na Amazônia. Athanázio não só fugiu, como também libertou e liderou mais 40 negros até o Alto Trombetas, onde às margens do lago do Mocambo, atual lago Macaxeira, fundaram o primeiro grande quilombo da região. Até então, já tinha havido fugas em direção ao Trombetas, mas eram fugas individuais.”

“Em 1822 Athanázio, já conhecido na região como Rei, foi capturado no lago do Mocambo, juntamente com alguns companheiros. Mas o negro voltou a fugir e desta vez, juntou um grupo de negros e negras e subiram o rio. Depois de 15 e sobre uma ilha construíram o mais simbólico dos quilombo do rio Trombetas que foi o quilombo Maravilha. Nessa região da Amazônia, sem dúvidas nenhuma, Athanázio foi o grande líder. Guardadas as proporções, um líder do porte de Zumbi dos Palmares ou de Manoel Congo no Vale do rio Paraíba. Tanto isso é verdade, que até hoje, no lago Macaxeira, depois de mais de 200 que Athanázio chegou ao local, ainda existe o igarapé do Athanázio, local onde o líder quilombola fez a sua primeira moradia após a fuga da senzala no Baixo rio Amazonas”, explica o autor do livro,

De acordo com o jornalista, Athanázio não só liderou negros e negras rio acima das cachoeira do Trombetas, onde construíram o quilombo Maravilha, mas também foi o grande responsável para que o mocambo se sustentasse por cerca de 20 anos, até 1855, quando uma grande expedição de captura formada por cerca de 190 soldados subiu o rio para abater ou capturar seus moradores. Porém, os quilombolas foram avisados de que a expedição subia em direção ao mocambo e, tocaram fogo em suas moradias, casas de farinhas e roçados. Pegaram seus pertences e animais domésticos e subiram o rio para formar um novo quilombo às margens do igarapé de Campiche, acima de mais uma cachoeira.

“Quando a expedição de captura chegou ao local do quilombo Maravilha só encontrou cinzas da terra arrasada. A partir do fracasso dessa expedição de captura, os governos imperial e provincial não mais organizaram nenhum expedição de captura ao rio Trombetas e, após a Lei Áurea, os quilombolas começaram a descer das regiões de corredeiras e cachoeiras para formar as atuais 37 comunidades quilombolas espalhadas pelo complexo hídrico do Trombetas, no município de Oriximiná, Oeste do Pará, onde vivem cerca de 10 mil quilombolas, segundo o Censo do IBGE de 2022”, afirma o jornalista.

Coleta e comercialização de castanha é uma das principais atividades econômicas dos quilombolas do rio Trombetas

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