Um Brasil para eles

O governo Lula transformou a FAB no seu serviço privado de táxi aéreo e, desde o dia 1º deste ano, nenhum gato gordo do Sistema “L” pôs mais a mão no bolso para comprar uma passagem de avião

Por J.R. Guzzo (*)

Como seria possível, contando-se com o equipamento lógico normalmente disponível para os circuitos mentais do ser humano, entender por que um ministro de Estado precisa viajar 64 vezes num período de oito meses para resolver assuntos de trabalho — num jato que é propriedade pública e pago integralmente por você? Sem assunto de trabalho, nem ele, e nem ninguém mais, tem direito de usar um avião oficial para ir do ponto “A” ao ponto “B” em qualquer lugar do Brasil ou do mundo — e, para ser assunto de trabalho, é preciso que haja um mínimo, realmente um mínimo, de interesse público nessa despesa toda. As 64 viagens que o ministro da Justiça fez de janeiro a agosto em aviões da Força Aérea Brasileira não foram para cuidar de assuntos de trabalho. Seu serviço de propaganda, também pago por você, pode dizer que foram, mas não é capaz de informar qual benefício, mesmo indireto, o cidadão recebeu em qualquer uma delas. Se não há informação, fica na cara que não houve trabalho.

O ministro da Justiça, Flávio Dino – Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Não é uma coisinha menor, como diz o governo sempre que esse tipo de história aparece na imprensa. Com 64 voos em oito meses, o ministro da Justiça viajou com dinheiro público uma vez a cada quatro dias, ou algo assim. Também gastou dinheiro que não acaba mais. O preço de um jatinho, num voo de longa distância, está por volta de R$ 100 mil — e o ministro vive na rota Brasília-São Luís, que tem cerca de 2 mil quilômetros de voo. Ele viaja num jatão. Nem Deus sabe qual é o valor real dessa conta; a FAB e o Ministério da Justiça dizem que é segredo de Estado. O dinheiro é seu. Mas na prática é deles — e eles gastam sem dar satisfação nenhuma a ninguém, com uma despreocupação de Maria Antonieta na corte real da velha França. O povo não tem jatinho nem jatão? Então por que não vai de disco voador? É essa a alma do governo Lula.

Não tente perguntar ao ministro Flávio Dino, ao militante-padrão do PT ou aos comentaristas da TV Globo como se explica um negócio desses — um alto funcionário que viaja a cada quatro dias, sem ser piloto de avião, num país em que o governo só sabe reclamar que está “sem dinheiro” para nada e precisa cobrar mais imposto. A resposta, se vier alguma resposta, vai ser algo assim: “E ‘as joias’ do Bolsonaro? E a morte da Marielle? E o genocídio?”. A verdade é que não há nenhuma resposta racional para os voos seriais do ministro — não se ele ou o governo Lula achassem que o povo brasileiro tem direito a algum tipo de satisfação. Mas eles não acham. O que acham é o contrário: se a gente é quem manda, então ninguém tem nada de ficar querendo prestação de conta sobre o que a gente faz ou não faz. É essa a razão de viver da esquerda nacional e suas colônias de parasitas — aproveitar a máquina do Estado como propriedade privada e pessoal. Se não for assim, não interessa ir para o governo. É igualzinho às ditaduras.

Num país com “33 milhões de pessoas passando fome”, como diz o presidente da República, os magnatas de Brasília teriam a obrigação mínima de viver com a modéstia de um convento beneditino. Eles fazem exatamente o contrário. Falam todo santo dia da sua paixão pelos “pobres” ou de aumentar o imposto dos “ricos”, mas vivem como milionários

O Brasil estaria relativamente bem de vida se o único a usar o Tesouro Nacional como sua conta particular no banco fosse o ministro Dino. Mas ele é apenas mais um passageiro — em cabine luxo superior, é verdade, mas só um a mais — deste cruzeiro cinco estrelas pago, até o último centavo, com o dinheiro que o cidadão entrega ao Erário a cada vez que vai ao posto de gasolina ou acende a luz de casa. O governo Lula transformou a FAB no seu serviço privado de táxi aéreo e, desde o dia 1º deste ano, nenhum gato gordo do Sistema “L” pôs mais a mão no bolso para comprar uma passagem de avião ou ficou dez minutos numa sala de espera em aeroporto. O vice-campeão nessa corrida aeronáutica, colado em Dino, é um cidadão chamado Waldez Góes, que pouquíssima gente sabe o que faz no Ministério Lula; até agora, somou 59 voos. O terceiro é o ministro da Educação, Camilo Santana. A escola pública do Brasil continua em ruínas, e Lula acaba de cortar R$ 330 milhões das verbas da área, mas Santana já viajou 51 vezes com dinheiro que o governo diz que não tem. A ministra da Saúde, logo a da Saúde, conseguiu fazer 50 voos. A coisa vai por aí abaixo — incluindo aquele que pega avião da FAB para ver exposição de cavalo de raça. E os deputados e senadores da “base aliada”? Como não podem requisitar os aviões, entram nos voos dos ministros. Já fizeram 187 viagens este ano; o campeão é o PT, com 48 caronas.

Waldez Góes e Camilo Santana, campeões de voos pagos com dinheiro público | Foto: Bruno Batista/VPR/Ricardo Stuckert/PR

Tudo isso aí é só a primeira ária da ópera, e talvez nem seja a parte mais cara. O uso sem limites do aparelho estatal em benefício próprio é uma ideia fixa de Lula, da sua mulher e dos peixes graúdos do seu governo. Não é uma questão de dar bom exemplo — o que o governo Lula gosta, mesmo, é de dar mau exemplo. Num país com “33 milhões de pessoas passando fome”, como diz o presidente da República, os magnatas de Brasília teriam a obrigação mínima de viver com a modéstia de um convento beneditino. Eles fazem exatamente o contrário. Falam todo santo dia da sua paixão pelos “pobres” ou de aumentar o imposto dos “ricos”, mas vivem como milionários — e fazem questão de ostentar ao máximo o que estão gastando com o dinheiro de quem trabalha. Também não é uma questão apenas financeira ou de moral pública. É uma doença. Lula e as forças que lhe dão apoio estão tentando, nas suas ações concretas, criar uma nação sem povo. Só existe um Deus, “o Estado”, e Lula é o seu único profeta — com a ajuda do STF, sim, mas profeta mesmo é só ele. O resto é tudo “mané”. Tem de trabalhar para ganhar a vida, pagar as despesas de quem manda e tomar cuidado para não ser indiciado no inquérito dos “atos antidemocráticos”.

A partir daí, está valendo tudo. O ministro do Trabalho, Carlos Lupi, foi demitido do governo Dilma por incompetência — e ser demitido por incompetência por Dilma Rousseff não é para qualquer um. A ministra de uma coisa inventada por Lula e chamada “Igualdade Racial”, Anielle Franco, tem uma única realização visível no seu currículo — é irmã da ex-vereadora do Rio de Janeiro, Marielle Franco, canonizada como mártir pela esquerda, pelos intelectuais e pela maioria dos jornalistas brasileiros. Pois então: os dois foram nomeados para o Conselho de Administração de uma empresa estatizada, a Tupy, que, segundo ela própria, se dedica à produção de componentes estruturais de alta complexidade geométrica. Vão ganhar pelo menos R$ 36 mil por mês cada um, sem ter de fazer nada — e nem é possível que façam. O que Anielle ou Lupi entendem de componentes estruturais de alta complexidade geométrica? Os dois já ganham mais de R$ 41 mil por mês como ministros; acharam que era pouco e agora, com uma canetada de Lula, passam a ganhar quase R$ 80 mil, tudo saído diretamente do seu bolso. Como poderiam, os dois somados, ajudar em alguma coisa, qualquer coisa, uma empresa que pertence ao patrimônio da nação e deveria ser administrada com o máximo de eficiência?

Durante sua posse, Anielle Franco, ministra da Igualdade Racial, cumprimenta o presidente Lula – Foto: Ricardo Stuckert/PR

O ministro e a ministra vêm se juntar a uma multidão de parentes, “ativistas” de esquerda em geral, perdedores de eleição, oportunistas, amigos e amigos dos amigos que o Sistema “L” colocou na boca do cofre público. É Itaipu. É Petrobras. É Caixa. São, ao todo, mais de 600 estatais, com salários de R$ 50 mil por mês para cima, e muitíssimo para cima. Não se trata só de dinheiro. Do mesmo jeito que transformaram o serviço público num provedor de salários de até R$ 1 milhão por ano para quem faz parte do Comissariado Supremo de Governo, agem o tempo todo como se a autoridade legal do Estado fosse um bem pessoal que cada barão do governo aproveita como bem entende. O mesmo Flávio Dino, por exemplo, transformou o Ministério da Justiça numa chefatura de polícia dedicada a seu serviço — nos últimos oito meses não incomodou um único criminoso, mas não parou de reprimir os adversários políticos. O surto mais recente de privatização da função pública veio da mulher do presidente da República — que não tem função pública nenhuma, mas na prática vale mais que qualquer ministro, dono de estatal ou as três Forças Armadas juntas.

Um vídeo postado nas redes sociais mostrou, dias atrás, Janja olhando para uma imagem mal resolvida do novo ministro Cristiano Zanin, que acaba de entrar no STF por nomeação de Lula. Com a expressão incomodada, ela limpa as lentes dos óculos para ver melhor — e a imagem de Zanin, vista então com clareza, se transforma no ministro André Mendonça, nomeado para o Supremo por Jair Bolsonaro. Poucos insultos podem ser mais venenosos, na cabeça do petista-raiz, do que chamar alguém de “bolsonarista”; é como xingar a mãe. Mas Janja não falou nada sobre a utilização da sua imagem no vídeo nem deu qualquer tipo de solidariedade ao ministro que foi nomeado pelo seu próprio marido. Ao contrário — achou “engraçado” e “um tantinho trágico”. Está claríssimo de que lado ela ficou: contra Zanin e a favor do pelotão de fuzilamento que já se formou contra ele por não ter votado como a esquerda queria que votasse em suas primeiras decisões. A mulher de Lula, nessa história, mostrou como ela realmente vê o Brasil. Está convencida de que Zanin, pelo fato de ter sido indicado pelo marido, virou um serviçal doméstico privado que tem de obedecer às suas ordens e votar como ela quer. Não é um funcionário do Estado brasileiro; é um prestador de serviços do casal presidencial.

Trata-se de uma doença, como dito acima. É coisa de ditadura bananeira. É o que fazem os Maduros e os Ortegas da vida.

(*) J.R. Guzzo é jornalista. Integrante do Conselho Editorial de Oeste, foi um dos criadores da Veja, revista que dirigiu durante quinze anos, a partir de 1976, período em que sua circulação passou de 175.000 para 1 milhão de exemplares semanais. Correspondente em Paris e Nova York, cobriu a guerra do Vietnã e esteve na visita do presidente Richard Nixon à China, em 1972. Responsável pela criação da revista Exame, atualmente escreve no Estado de S. Paulo e na Gazeta do Povo.

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