
Pesquisadores brasileiros identificaram na Amazônia uma nova espécie de ave terrestre cujo comportamento desperta comparações preocupantes com a história do dodô, o pássaro que se tornou sinônimo de extinção após desaparecer da ilha de Maurício no século XVII. A ave recém-descrita, apelidada de tinamu-de-máscara-ardósia, não demonstra qualquer temor diante da presença humana.
A descoberta foi registrada em áreas isoladas da Serra do Divisor, no extremo oeste do Brasil, na fronteira com o Peru. As informações sobre a descoberta foram divulgadas pelo jornal New York Times.
Tinamu: Uma ave terrestre incomum
A nova espécie, que se diferencia de seus parentes, foi registrada em uma região montanhosa e remota.
Características visuais e comportamentais
- Aparência: Diferentemente dos tinamus comuns, que são discretos e cautelosos, a tinamu-de-máscara-ardósia possui penas em tons de canela-avermelhado e uma faixa escura sobre os olhos, que deu origem ao apelido “máscara”.
- Comportamento: O que mais preocupa os cientistas é a sua ausência de medo diante de um predador potencial, como o ser humano. Após o primeiro registro em 2021, a equipe chefiada por Luiz Morais observou que a ave caminhava vagarosamente, não fugia da aproximação dos cientistas e, por vezes, se movia em direção ao grupo de observação.
O canto ressonante
As vocalizações da espécie são tão peculiares quanto sua postura confiante. Enquanto a maioria dos tinamus emite sons curtos e melancólicos, a nova ave apresenta um chamado longo e progressivo, cuja frequência se eleva gradualmente.
Esse eco gerado se espalha pela floresta de forma desorientadora, o que inspirou seu nome científico: Tinamus resonans (em referência à intensa reverberação de seu canto). A descoberta é considerada histórica, podendo ser a primeira nova espécie de tinamu da floresta descrita pela ciência em cerca de 75 anos.
O perigo da “escada rolante da extinção”
Apesar da comparação constante com o dodô, as duas aves não possuem relação evolutiva direta, mas compartilham a vulnerabilidade por serem aves terrestres despreparadas para lidar com a ameaça humana.
A ilha celeste da Serra do Divisor
A população da Tinamus resonans é estimada em cerca de 2 mil indivíduos, restritos a uma faixa estreita de altitude na Serra do Divisor. Cientistas classificam essa área como uma “ilha celeste“, um ambiente isolado em meio às planícies amazônicas, que abriga plantas e animais altamente especializados.
Nesses ecossistemas, com o aumento das temperaturas devido às mudanças climáticas, os animais tendem a buscar áreas mais elevadas. Para as espécies que já ocupam o topo, como a tinamu-de-máscara-ardósia, não existe rota de fuga, um fenômeno conhecido como “escada rolante da extinção“.
Ameaças à sobrevivência
Qualquer alteração significativa no ambiente pode ter um impacto direto na sobrevivência da espécie, cuja distribuição está limitada ao último “andar” da serra.
- Incêndios florestais: Figuram entre as maiores ameaças, pois a vegetação local cresce sobre antigos solos de arenito.
- Projetos de infraestrutura: Preocupam devido a propostas de construção de rodovias e ferrovias transcontinentais, que poderiam acelerar o desmatamento.
- Flexibilização da proteção: Apesar de a Serra do Divisor ser protegida por um parque nacional (o quarto maior do país), há iniciativas políticas para diminuir o nível de proteção, abrir espaço para exploração econômica e permitir atividades de mineração na região.
O alerta do dodô

Para os pesquisadores, o caso da tinamu-de-máscara-ardósia é um lembrete das lições deixadas pelo dodô: espécies restritas, ingênuas diante da ameaça humana e habitantes de áreas isoladas podem desaparecer em poucas décadas se a conservação não for prioridade.
A descoberta, portanto, vem acompanhada de um aviso urgente: conhecer é apenas o primeiro passo para proteger.











