Sociedade das ideias mortas

O Brasil que poderia ter resultado do que fomos em 1947 não existe. Foi, de colapso em colapso e de naufrágio em naufrágio, roído por 40 anos de política em torno, em função e em reação permanente a Lula

Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock

Por J. R. Guzzo (*)

Menos de 80 anos atrás, como lembra o artigo de capa de Adalberto Piotto na última edição de Oeste, o Brasil era um país ficha limpa na comunidade das nações. Mais que isso: era o exemplo do bom elemento, como dizia a polícia da época, um sujeito decente o necessário para presidir os trabalhos da sessão da ONU que criou o Estado de Israel. O tempo passa, o tempo voa, e o que acontece? Em vez de melhorar, como melhorou a maioria dos membros da ONU, o Brasil piorou tanto que virou um país-bandido.

Como poderia ser diferente? O presidente da República é um corrupto passivo e lavador de dinheiro condenado em três instâncias, e por nove juízes diferentes, na Justiça Penal brasileira. Nunca foi absolvido dos seus crimes; é o único presidente oficialmente ladrão entre os quase 200 chefes de Estado que há hoje no mundo. É o único semianalfabeto entre eles todos. O seu governo está morto e a sua política externa tem sido um crime serial. Somos hoje o aliado do terrorismo, do crime e das ditaduras mais sórdidas do planeta.

Presidente Lula – Foto: Ricardo Stuckert / PR

É duro, mas também é o que dizem os fatos. O Brasil que entrou para a história como um dos fundadores de Israel é hoje seu inimigo de morte — não por decisão dos brasileiros, mas por ter um governo antissemita e empenhado, como propõem as tiranias muçulmanas, no genocídio do povo judeu. Lula, a extrema esquerda e as classes culturais jogaram o Brasil na defesa da selvageria. Sai Oswaldo Aranha. Entram Celso Amorim e os seus anões, como essa nulidade que executa ordens no Itamaraty. Deu nisso.

Não sobrou, no fim dessa história, nem o filé Oswaldo Aranha — quem, em sã consciência, poderia imaginar um filé Celso Amorim? Não dá. O governo Lula e a gente que está nele não têm o nível mínimo que é preciso para criar nada; tem o ministro Sidônio e os seus bilhões, mas está em processo de morte cerebral, e quando fica assim nada resolve. O Brasil que poderia ter resultado do que fomos em 1947 não existe. Foi, de colapso em colapso e de naufrágio em naufrágio, roído por 40 anos de política em torno, em função e em reação permanente a Lula.

Não poderia ter dado em nada de diferente do que deu — quatro décadas seguidas, desde os anos 1980, de um câncer em metástase. Como na Itália fascista de Mussolini ou na Argentina de Perón, o Brasil vive há 40 anos de Lula, Lula e mais nada. Vive, agora, a pior fase desses 40 anos. Na frente de todo mundo, e sem nenhuma preocupação em disfarçar o que quer, Lula está enfim construindo o que sempre quis: uma ditadura no Brasil.

fascismo é de esquerda
Benito Mussolini inspeciona tropas durante visita a uma base naval na Sicília (25/6/1942) – Foto: Divulgação/Arquivos Federais da Alemanha

Se vai conseguir ou não é coisa que ainda não está resolvida, mas a tentativa nunca foi tão intensa como agora. É um golpe de Estado em fases. A primeira, com o STF no papel que normalmente é do Exército, foi tirar Lula da cadeia, sem julgamento algum, e entregar a ele a Presidência da República — “missão dada, missão cumprida”, disseram eles mesmos. A fase atual é a anulação do Congresso como Poder independente e a elevação do consórcio Lula-STF à posição de Poder Supremo (veja artigo de capa, de Silvio Navarro).

Não é apenas um golpe de Estado, com a cumplicidade das Forças Armadas — ou com a sua escalação para o papel de pintar calçadas, o que dá na mesma. É o esforço para criar toda uma doutrina fascista no Brasil. Como diz a ministra Cármen, num grande outdoor do pensamento oficial, ter uma opinião pessoal é crime — coisa de “pequenos tiranos”, diz ela. Os deputados eleitos são “inimigos do povo”, prega o governo na internet. “Todos aqui admiramos o modelo da China”, diz o ministro Gilmar.

É a confirmação do apronto, como se dizia antigamente no turfe. Lula sempre disse essas coisas em público — e a cada vez que dizia o comentário era: “Ah, coitado, o Lula é só um idiota, deixa ele”. Mas o que Lula tinha na cabeça, o tempo todo, era a ditadura que hoje desfila na avenida. “Sempre soube que a gente não chegaria ao poder pelo voto”, disse ele. “Tenho orgulho de ser chamado de comunista”, informou. “A covid foi uma bênção de Deus”, para provar que o Estado tem de ser o ente supremo.

O resto do que Lula diz, desde os anos 1980, é mais do mesmo, e daí para pior. Não dá, agora, para dizer que ele mudou só porque está promovendo um golpe de Estado a favor de si próprio. Ele e a extrema esquerda brasileira sempre foram contra tudo aquilo que tem a ver com democracia: contra a liberdade de imprensa, contra o resultado de eleições quando o adversário ganha (“fora FHC”), contra as ideias de religião, pátria e família (“valores que combatemos a vida toda”) etc. etc. Por que seriam contra a sua própria ditadura?

Projetos de ditadura, não importa sob qual disfarce, raramente aparecem desacompanhados — andam de mãos (e coração) dadas com momentos de colapso cultural. É o caso, precisamente, do Brasil de Lula, do STF e da extrema esquerda. Acham-se civilizados. Não imaginam quanto são típicos. Nada poderia espelhar com tanta exatidão o Brasil primitivo, escuro, ignorante e inimigo da mudança quanto esse coro de intelectuais que aplaude às cegas os pajés do regime. São os caetés comendo o bispo Sardinha.

A intelectualidade brasileira terá a seu crédito, para sempre, o apoio intransigente que deu à censura — por sinal, junto com a mídia, uma das primeiras defensoras do linchamento da liberdade de expressão nas redes sociais. É devota do “sem anistia”, um grito de ódio tribal que nada tem a ver com o mundo das ideias. Acha normal que o STF condene a 14 anos de prisão uma cabeleireira que pintou com batom uma estátua em Brasília. É a favor do fechamento, na prática, do Congresso, por via do mesmo STF.

A cabeleireira Débora dos Santos, condenada a 14 anos de prisão pelo ministro do STF Alexandre de Moraes: batom na estátua | Foto: Reprodução/Twitter/X
A cabeleireira Débora dos Santos, condenada a 14 anos de prisão pelo ministro do STF Alexandre de Moraes, por ter pintado com batom na estátua – Foto: Reprodução/X

O intelectual brasileiro-padrão dos dias de hoje acha que Alexandre de Moraes é um Hércules da democracia e que Gilmar Mendes é um novo Rei Salomão. Acredita que Lula, um arquimilionário explícito, está à frente da “guerra contra os ricos” — e que sua mulher, que viaja sozinha num avião da FAB de 200 lugares, quer distribuir riqueza. Está convencido de que houve tentativa de golpe no 8 de janeiro; acha que o fato de não existirem provas disso é irrelevante. Tem certeza de que o Bolsa Família é um programa social.

A lista poderia ir adiante, por horas e horas, mas para quê? É óbvio que as classes cultas que dão apoio ao governo refletem um mundo em que a cultura morreu. Se não morreu, onde andaria a produção cultural do Brasil deste momento? Não existe. Um país que já teve Pixinguinha, Noel Rosa e Tom Jobim hoje tem funk. Onde havia Eugênio Gudin, Roberto Campos e Mário Henrique Simonsen há Armínio Fraga. Onde havia dança há ginástica. Onde havia vida cultural há Rede Globo. Em vez de escritores, há faculdades de letras.

Alfredo da Rocha Vianna Filho, conhecido como Pixinguinha – Foto: Wikimedia Commons

O artista brasileiro do regime Lula-STF tem uma ideia fixa, e ela não tem nada a ver com livros, música ou peças de teatro: tem a ver, única e exclusivamente, com a “denúncia do racismo” na literatura, nas canções e no teatro. (Noel Rosa, por exemplo, já foi acusado de racismo por ter composto Feitiço da Vila.) Os nossos compositores não compõem há 30 anos. Nossos arquitetos produzem a paisagem urbana que está aí. Nossos artistas pintam muros. Há um rancor oculto (e semioficial) à arte clássica, tida como elitista, branca e excludente.

Quando ouve falar de “cultura”, o regime brasileiro, como Goebbels, tem vontade de sacar o revólver — ou pelo menos abrir um inquérito no STF. A universidade, sobretudo a pública, morreu como local de debate, ideias e indagação — na verdade, é onde mais se combate a circulação livre dos pensamentos neste país. É simples. Não há cultura onde é proibido falar; aí, em vez de universidade, o que se tem é a religião do Estado, como em Cuba, no Irã ou na Venezuela. O ensino superior, hoje, é um lugar de treva.

A democracia naufragou no Brasil. A cultura também. O resto é Lei Rouanet e bilhões em dinheiro público para comprar artistas sem obra e intelectuais sem intelecto.

(*) J. R. Guzzo é jornalista. Integrante do Conselho Editorial de Oeste, foi um dos criadores da Veja, revista que dirigiu durante quinze anos, a partir de 1976, período em que sua circulação passou de 175.000 para 1 milhão de exemplares semanais. Correspondente em Paris e Nova York, cobriu a guerra do Vietnã e esteve na visita do presidente Richard Nixon à China, em 1972. Responsável pela criação da revista Exame, atualmente escreve no Estado de S. Paulo e na Gazeta do Povo.

Fonte: https://revistaoeste.com/revista/edicao-276/sociedade-das-ideias-mortas/

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