Será que Bolsonaro peitaria o STF se carregasse uma capivara nas costas?

Por não se acovardar diante do Supremo, presidente passa a impressão de que ostenta a imagem de honesto e que, por ter um passado limpo, não teme qualquer tipo de retaliação dos ministros

Por Reinaldo Polito (*)

Poucos políticos têm o topete de apontar o dedo para o STF (Supremo Tribunal Federal). A explicação é bastante simples: como os processos que pesam contra eles estão resguardados pelo foro especial por prerrogativa de função, que todos nós conhecemos pela simplificação de “foro privilegiado”, se pelam de medo de receber represálias. Não conheço casos em que o STF tenha agido propositalmente para prejudicar um político com a intenção de se vingar de ataques feitos à Alta Corte. Como dizia meu avô, entretanto, cachorro picado de cobra tem medo até de linguiça. Por isso, algumas de suas excelências, ainda que possam não concordar com as iniciativas dos ministros togados, preferem se fingir de mortas, cuidar de outras questões, a arrumar confusão com os magistrados.

Pois bem, mesmo atuando por mais de 30 anos na política, Bolsonaro parece ter certeza de que não carrega atrás de si uma capivara de processos. Como tem reiterado, agindo rigorosamente dentro das quatro linhas da Constituição, sem temor de represálias, na segunda-feira, dia 16, entrou no STF com uma ação por abuso de autoridade contra o ministro Alexandre de Moraes. Até os bolsonaristas mais atuantes se surpreenderam com essa iniciativa. E soltaram fogos para comemorar. Depois de ficarem impacientes com a falta de atitude do presidente, chegando até a chamá-lo pejorativamente de “Frouxonário”, nas últimas semanas lavaram a alma. Primeiro, com o episódio da “graça” concedida ao deputado Daniel Silveira. E agora com essa ação.

Eduardo Magalhães, advogado de Bolsonaro, faz afirmações contundentes na notícia-crime: “Por óbvio, o prejuízo político ocasionado ao Mandatário Nacional com a subsistência de tal inquérito é evidente e de fácil constatação. A demonstrar o alegado, basta-se deitar os olhos na imprensa brasileira e constatar a quantidade de matérias pejorativas que foram publicadas contra o presidente da República em razão de sua inclusão no inquérito”. Os questionamentos são abrangentes. A nota divulgada por Bolsonaro se propagou como rastilho de pólvora. Ele informa que ajuizou ação no STF contra o ministro Alexandre de Moraes por abuso de autoridade. Justificou que o ministro faz sucessivos ataques à democracia, que desrespeita a Constituição e despreza os direitos das garantias fundamentais. Em seguida elenca:

    1. Injustificada investigação no Inquérito das Fake News, quer pelo seu exagerado prazo, quer pela ausência de fato ilícito;
    2. Por não permitir que a defesa tenha acesso aos autos;
    3. O Inquérito das Fake News não respeita o contraditório;
    4. Decretar contra investigados medidas não previstas no Código de Processo Penal, contrariando o Marco Civil da Internet;
    5. Mesmo após a PF ter concluído que o presidente da República não cometeu crime em sua live sobre as urnas eletrônicas, o ministro insiste em mantê-lo como investigado.

A ação, que corria em segredo de Justiça, foi relatada pelo ministro Dias Toffoli. Era de se imaginar que Toffoli daria mesmo a decisão que deu ao rejeitar a ação impetrada por Bolsonaro. Devido ao provável corporativismo dos integrantes da Corte, havia poucas chances de que prosperasse. O próprio presidente Luiz Fux já deixou claro em um pronunciamento: “Quando se ataca um integrante desta Corte, se ataca a todos”. Em menos de 24 horas, Toffoli disse em sua decisão que Bolsonaro deveria se defender das acusações que pesam sobre ele, em vez de criar caso com Moraes. O que o STF talvez não esperasse é que Bolsonaro não se daria por vencido e entrasse, como efetivamente entrou, com a mesma ação na PGR (Procuradoria Geral da República).

Embora seja uma ação judicial, o efeito é muito mais político. Basta dizer que no dia seguinte à divulgação feita pelo presidente já era possível fazer essa constatação. A oposição e parte da imprensa que se opõe a Bolsonaro criticaram a iniciativa dizendo que as alegações são infundadas e que o objetivo do chefe do Executivo é o de continuar atacando o STF e o processo eleitoral. Por outro lado, seus seguidores se mostraram exultantes com a notícia. Alardearam aos quatro cantos que Bolsonaro agiu certo, pois é preciso conter as atitudes antidemocráticas de Alexandre de Moraes.

A ação, que parecia não ter tido sequência, ganha agora um novo fôlego na PGR. Essa insistência de Bolsonaro, que demonstra sua certeza nas reivindicações que faz, se transforma, no mínimo, em munição para os bolsonaristas. Nesta época de pré-campanha, farão o contraponto às investidas do STF, que consideram inconstitucionais. Também, pelo fato de o presidente não se acovardar diante da Justiça, deixarão clara a distinção contra os malfeitos do PT nas últimas gestões. Por fim, o próprio presidente irá ostentar a imagem de honesto e que, por ter um passado limpo, não teme qualquer tipo de retaliação dos ministros.

Com as idas e vindas dessa história, depois de Toffoli negar o pleito de Bolsonaro, e com a nova e rápida investida do presidente na PGR, tudo indica que muita água ainda está por rolar por baixo dessa ponte. Parece mesmo que o assunto não morrerá aí. Havia também uma espécie de carta na manga. Segundo interpretação do jornalista Alexandre Garcia: Se Bolsonaro e Moraes fossem partes de um processo, Moraes não poderia ser juiz em qualquer outro caso em que Bolsonaro fosse parte. Um vai ser candidato; vai o outro presidir a eleição? Diante da decisão rápida de Toffoli, essa hipótese, que foi até considerada afastada, volta à tona agora nas mãos de Augusto Aras e se transforma mais uma vez em uma boa tentativa de o presidente tirar Alexandre de Moraes do seu cangote. Não é pouco para as pretensões de Bolsonaro. Siga pelo Instagram: @polito.

(*) Mestre em Ciências da Comunicação, professor de pós-graduação em Marketing Político e em Gestão Corporativa na ECA-USP e autor de 34 livros, que já venderam mais de 1,5 milhão de exemplares em 39 países

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