
Por J. R. Guzzo (*)
Nunca é fácil pensar num dia de sol no meio de uma chuva de pedra, com zero grau de temperatura e com o barômetro caindo. A impressão é que não vai acabar nunca: como um tempo horrível desse, pior a cada hora que passa, poderia se desfazer e deixar as pessoas em paz outra vez? Mas a experiência mostra, sempre, que as misérias da natureza vão passar, por piores que estejam no momento. Da mesma forma, países destruídos por seus governos não estão condenados, necessariamente, a continuar em ruínas. Muitos, é claro, não têm mais cura — o que se vai fazer, por exemplo, com Cuba, que está morta há mais de 60 anos, ou com a Venezuela de hoje? Mas há outros em que a chuva vai acabar, porque vem de uma nuvem só; quando ela for embora — e ela vai embora, queira-se ou não, mais cedo ou mais tarde —, a vida pode renascer. É o caso do Brasil.
O Brasil não está na situação em que se encontra por causa de alguma sentença de condenação da geologia, ou coisa parecida — por exemplo, não está coberto pelo Deserto do Saara, ou pelo gelo do Polo Sul, ou por outros azares do gênero. O que impede o Brasil de viver, hoje, é Lula — e Lula, ao contrário da areia do deserto e da superfície congelada da calota polar, está indo embora deste mundo daqui a pouco, como uma nuvem ruim que começa a se desmanchar. Ele quer convencer a si mesmo que não é assim. O mundo político, a mídia e as classes que não produzem nada fazem de conta que não é assim. Mas é assim. Nunca se veem os ratos nadando para entrar num navio que afunda — da mesma forma que nunca se vê a saúde dos 20 anos querendo entrar num homem a caminho dos 80. O fato é que Lula vai morrer logo, como todos os seus companheiros de idade; já está na sala de espera, aguardando chamarem seu número para embarcar no último voo. O Brasil, aí, vai ser outro.

O Brasil vai ser outro porque não é possível, no mundo dos fatos, que continue como está a partir do minuto em que Lula não estiver mais na área. Não existe “lulismo”, como já existiu peronismo, ou comunismo, ou religiões desse tipo; só existe Lula e, quando não existir mais, não vai ficar nada e ninguém no seu lugar. Vai continuar por um tempo, não se sabe quanto, a intoxicação que ele criou e que foi criada em função dele — isso não dá para evitar. Vai continuar existindo o STF. O Brasil vai continuar sem um sistema de Justiça. Vai sustentar por mais uma ou duas gerações a casta de juízes, procuradores e burocratas que ganham R$ 1 milhão por ano, ou mais. Vai pagar caro pelos problemas que Lula criou, ou que não teve coragem, vontade e competência para resolver. Mas o país tem os anticorpos para se defender disso tudo. O que interessa é que a bactéria que produz a doença não vai estar mais ativa.
Lula, em mais de 40 anos de vida política, fez uma única coisa certa para o Brasil — nunca permitiu, desde o primeiro minuto, que nenhum tipo de sucessor pudesse aparecer no PT e seu entorno. Era só alguém levantar a cabeça para tomar um tiro na testa ou, mais frequentemente, uma facada nas costas. Os inimigos reais, para Lula, nunca estiveram entre os adversários políticos: sempre foram os próprios aliados. O resultado é que ele irá embora sem ter construído qualquer tipo de estrutura ou sistema capazes de manter de pé a calamidade que criou. Quem ficará no seu lugar? A deputada Gleisi Hoffmann? O ministro Pimenta? Alckmin? O STF tirou Lula da cadeia e o TSE lhe deu a Presidência, mas isso não é um serviço disponível para qualquer um, nem o tempo todo. Serviu para ele e poderia servir para alguém que tivesse criado — mas a única coisa que Lula criou foi Dilma Rousseff, justamente por ter certeza de que desse mato nunca iria sair nem meio cachorro. O resultado é que o Brasil vai ficar livre de todos eles.
Lula é sócio aberto dos crimes de Maduro, dos terroristas do Hamas e dos anti-imperialistas que assassinam mulheres no Irã. É cúmplice do STF na violação sistemática da Constituição

Lula não montou um aparelho como o Partido Comunista da China, Cuba ou Rússia, que funcionam com qualquer um na cadeira de presidente. Deu emprego a muito aproveitador no serviço público, e deu muito dinheiro para os amigos milionários, mas essa gente não está interessada em programa, ou qualquer coisa parecida. Pensa apenas em encher o bucho e cuidar dos seus interesses, e esse tipo de arranjo não leva à construção de um regime político. O fato é que Lula eliminou todos os seus possíveis sucessores, menos um — o que vai, um dia, suceder a ele e não terá nada a ver com PT, Psol, MST, Flávio Dino ou o sindicato dos bispos. A esquerda, as classes intelectuais e a mídia que faz assessoria de imprensa ao governo podem continuar no mundo que criaram para si, mas vão precisar cada vez mais de eleições como as da Venezuela e de uma “justiça eleitoral” como a de Nicolás Maduro, com 2 mil generais do Exército a seu serviço. Impossível não é, mas no pós-Lula vai ser osso.
O fato é que Lula não faz parte, simplesmente, do futuro dos 130 milhões de brasileiros que têm hoje menos de 45 anos de idade. Para a maior parte deles, na verdade, o ser sobrenatural que atualmente assombra a imprensa, os analistas políticos e o esgoto que se estende de Arthur Lira a Rodrigo Pacheco vai ser uma espécie de Jânio Quadros, ou coisa parecida. “Lula? Acho que já ouvi falar, mas não sei direito quem é a peça”, vão dizer sobre ele — e dizer cada vez mais, quanto mais tempo passar. Lula é sócio aberto dos crimes de Maduro, dos terroristas do Hamas e dos anti-imperialistas que assassinam mulheres no Irã. É cúmplice do STF na violação sistemática da Constituição. Diz que não foi para a cadeia por ter sido condenado pela Justiça brasileira em três instâncias, mas porque o FBI falsificou todas as acusações feitas contra ele, com o objetivo final de destruir a Petrobras. É daí para baixo, mas a última preocupação de Lula é fazer sentido, ou deixar um legado que possa ajudar seus aliados. Depois dele, o mundo que se exploda.

O Brasil precisa se acostumar com a ideia de que o prazo de validade de Lula está a caminho do vencimento. A realidade de hoje não é a realidade de amanhã, assim como Lula é uma coisa transitória, e o Brasil é uma coisa permanente. Não se trata de uma questão de análise política — é uma questão de biologia. Não serve para quem teve o azar de viver os últimos 40 anos na sua companhia, é claro. Mas vai ajudar muito quem ainda está com a vida pela frente e precisa, apenas, de um país sem Lula.
(*) J.R. Guzzo é jornalista. Integrante do Conselho Editorial de Oeste, foi um dos criadores da Veja, revista que dirigiu durante quinze anos, a partir de 1976, período em que sua circulação passou de 175.000 para 1 milhão de exemplares semanais. Correspondente em Paris e Nova York, cobriu a guerra do Vietnã e esteve na visita do presidente Richard Nixon à China, em 1972. Responsável pela criação da revista Exame, atualmente escreve no Estado de S. Paulo e na Gazeta do Povo.
Fonte: https://revistaoeste.com/revista/edicao-229/outro-mundo/











