O transtorno mental da imprensa

O atentado a Donald Trump deixou clara, mais uma vez, a falência generalizada nos sistemas vitais dos veículos de comunicação de hoje

Por J. R. Guzzo (*)

Durante pelo menos quatro horas inteiras, na noite do sábado 13 de julho, o público brasileiro ficou sem informações sobre um acontecimento de impacto mundial — a tentativa de assassinato contra Donald Trump, candidato à Presidência dos Estados Unidos nas eleições de novembro deste ano. Não houve censura oficial sobre o atentado. Houve, isto sim, a mais histérica operação já feita ao longo dos últimos anos pela mídia tida como “séria” para esconder um fato que não queria publicar — ou, pior ainda, queria falsificar, pois a realidade do acontecimento e das suas imagens estava em desacordo com as convicções pessoais da maioria dos jornalistas. Foi uma operação obviamente inútil. A verdade teria de aparecer, mais cedo ou mais tarde, e apareceu. Durante algumas horas de megalomania, porém, na qual se imaginou capaz de mudar os fatos, a mídia se recusou a informar que um assassino tinha tentado matar Trump a tiros, com um fuzil AR-15, durante um comício de sua campanha eleitoral. O que aconteceu, então? Pelo que disse a mídia, talvez a bala tenha se suicidado: atirou-se violentamente contra a cabeça do candidato e morreu ali mesmo, na hora. Ou foi Trump quem matou o tiro? Alguma coisa houve, com certeza. Mas nós não vamos dizer qual é.

Não se trata mais, no caso, de militância contra “a direita”, atividade que muitos jornalistas consideram hoje como o seu dever profissional supremo — a obrigação de atacar Trump, Bolsonaro, Milei etc. em qualquer circunstância e a respeito de tudo. Aí já é transtorno mental. Trump, para a mídia, é sempre o culpado pela violência; não pode, portanto, ser ele próprio uma vítima de violência. A partir desse ponto de fé e de doutrina, a mídia decidiu desligar os circuitos normais do raciocínio lógico. No episódio do atentado, havia imagens de Trump com o rosto ensanguentado. Os agentes de segurança apareciam retirando o candidato do palanque. Havia um morto e dois feridos graves na plateia. O próprio assassino jazia morto em cima de um telhado, à vista de bilhões de pessoas em todo o mundo. Até mesmo o presidente Lula, que não pode nem ouvir falar de Trump, já tinha feito um comunicado oficial condenando expressamente o crime. Mas a imprensa continuava se recusando a informar que um atirador tinha tentado matar o candidato da direita à Presidência dos Estados Unidos. Dizia o quê? Dizia tudo, menos o que aconteceu.

Notícia publicada pelo Jornal Nacional, via G1 (13/7/2024) | Foto: Reprodução/G1/Jornal Nacional
Notícia publicada pela GloboNews, via G1 (13/7/2024) | Foto: Reprodução/G1/Globonews
Notícia publicada na Agência Brasil (13/7/2024) | Foto: Reprodução/Agência Brasil
Notícia publicada pela CNN (13/7/2024) | Foto: Reprodução/CNN
Notícia publicada na Folha de S.Paulo (13/7/2024) | Foto: Reprodução/Folha de S.Paulo
Notícia publicada no UOL (13/7/2024) | Foto: Reprodução/UOL

Ficará na história das manchetes mais cretinas do jornalismo universal a maciça convulsão verbal utilizada para descrever o que todo mundo podia ver com os seus próprios olhos. Em vez de dizer: “Trump sobrevive a tentativa de assassinato”, vieram com uma bateria de palavras e frases tão contorcionadas, ou puramente idiotas, que a coisa toda descambou para o terreno da comédia. Falaram em “sons de tiros”, que poderiam não ter sido sons, nem tiros. Nunca se viu isto: até hoje, desde Gutenberg, um tiro é descrito como um tiro, e não como “um ruído provavelmente originado por uma possível arma de fogo”. Foi realmente uma competição e tanto. Que veículo conseguiria arrumar a pior combinação de letras para descrever o que tinha ocorrido? Num claro momento de superação, o G1 falou em “supostos sons de tiro”. Que raio seria isso? “Trump cai no palco (..) com sangue no rosto”, disse O Globo. “Trump é retirado de comício após sons similares a tiros”, escreveu a Folha de S.Paulo. “Barulho interrompe comício de Trump”, informou o UOL. Ninguém, em toda essa excitação cerebral, parece ter igualado um título da CNN que chamava a tentativa de assassinato de “ação contra Trump” — isso 48 horas depois de todas as confirmações de que tinha havido um crime em plena luz do sol.

A mídia só aceita dizer que o ofensor é ele. Trump já é quase tratado, na verdade, como o culpado pelo tiro que levou na própria orelha. Imagine-se se fosse a orelha de Joe Biden

Nada disso tem a ver com a cautela indispensável que um veículo de imprensa está obrigado a utilizar antes de publicar qualquer coisa — e que começa com a confirmação de que o fato anunciado realmente aconteceu. No caso de Trump fizeram o contrário. Substituíram o fato confirmado de que ele tinha sido alvo de um atentado contra a sua vida por essa salada gramatical armada para ocultar, pelo máximo de tempo possível, que tinham tentado matar Donald Trump a tiros. É como dizer, no assassinato de John Kennedy: “Parece que ouviram o que talvez tenha sido um possível ruído causado por um objeto que pode ser um projétil balístico. Há sinais de que o suposto presidente caiu depois do suposto barulho”. O fato é que a mídia, simplesmente, estava odiando contar o que tinha de ser contado. Amarrada à neurastenia ideológica que hoje substituiu as técnicas básicas do jornalismo profissional, responde a praticamente um único estímulo: “Se um fato pode ajudar a direita, é dever do jornalista não publicar esse fato, ou só publicar dentro da ótica das lutas democráticas. Assim como o STF é ‘o editor do Brasil’, nós somos os editores da verdade”.

No caso do atentado contra a vida de Trump, Oeste cumpriu o seu dever contratual com os leitores. “Trump é ferido em tentativa de assassinato; ex-presidente passa bem”, escreveu o site da revista às 21h11 do sábado — quando os editores do Brasil, do mundo e da verdade estavam falando de suposto som, de suposto tiro, contra o suposto candidato. Não é a segunda descoberta da pólvora. É apenas a entrega do que Oeste se comprometeu a entregar aos seus leitores, em troca da assinatura que fizeram: informação limpa, factual e clara, na medida da nossa capacidade e competência, e não a teimosia infantil de apresentar ao público os desejos dos jornalistas. O episódio deixou clara, mais uma vez, a falência generalizada nos sistemas vitais dos veículos de comunicação de hoje. É uma doença que se expressa na crescente incapacidade da imprensa em cumprir a sua função fundamental: fornecer as informações que o público paga para receber. Se não conseguem dizer com um mínimo de objetividade, durante horas a fio, que tentaram assassinar o candidato mais forte à Presidência dos Estados Unidos, para que servem então os jornalistas? Para que assistir ao noticiário de televisão ou ler o jornal se nem a televisão nem o jornal querem dizer o que está acontecendo?

Notícia publicada no site de Oeste (13/7/2024) | Foto: Reprodução/Oeste

É exatamente essa imprensa que o ministro Alexandre de Moraes, a elite civilizada e os próprios jornalistas consideram a única autorizada a falar para o público. Atacam com o furor de terrorista islâmico as redes sociais, que consideram a principal desgraça na humanidade do século 21. No seu modo de ver as coisas, elas usam mal a liberdade, divulgam fake news, fazem tráfico de “desinformação” e trabalham para destruir a democracia. Mas o que todos eles têm realmente de oferecer, na hora em que a informação correta é o mais importante, é isso aí que se viu. “Teria acontecido”, “Pode ter acontecido”, “Parece que”, “Não se sabe se”, “Não se exclui a hipótese de que”, “Trabalha-se com o cenário disso ou daquilo”, “Suposto barulho”, “Suposto tiro”, “Suposto atentado”. Foi, no fim das contas, um curso completo em matéria de desinformar, informar mal ou simplesmente não informar. Trump não pode, de jeito nenhum, aparecer como a parte que foi ofendida, seja lá o que disserem os fatos. A mídia só aceita dizer que o ofensor é ele. Trump já é quase tratado, na verdade, como o culpado pelo tiro que levou na própria orelha. Imagine-se se fosse a orelha de Joe Biden.

Essa é, a propósito, a segunda parte da exibição. Não sendo mais possível sustentar a ficção do “suposto ruído”, a imprensa engatou direto na interpretação do que teria havido. Essa segunda estrofe é ainda pior que a primeira. Sim, houve o tiro, mas para muitos comunicadores foram o “discurso do ódio” de Trump e seus “ataques à democracia” os grandes responsáveis pelo crime. A culpa é do comércio aberto de armas, que Trump defende. Acusa-se, por atacado, os seguidores “fanáticos” de Trump; aliás, ele não tem eleitores, tem só psicopatas que o seguem de olhos fechados, segundo a mídia em geral. Nas análises mais moderadas, ele é acusado de “se fazer de vítima” — quer dizer, o sujeito leva um tiro que por milímetros não lhe estoura o crânio, mas quer agora ficar “no papel” de pessoa agredida. Está se aproveitando do caso para fazer “marketing eleitoral”; depois de escapar da morte, teve o mau gosto de levantar o punho, não enxugar o sangue no rosto e dizer à plateia: “Lutem”. Nas interpretações mais patológicas, não aconteceu nem o crime; foi ele próprio, Trump, quem armou toda uma vasta fraude para fingir que tinha levado o tiro, levando sangue para espalhar no rosto e criar um cartaz de campanha.

Donald Trump, candidato presidencial republicano e ex-presidente dos EUA – Foto: Reuters/Brendan McDermid

É o tipo da coisa que sai o tempo todo dos esgotos da internet. Mas foi tratada em extensas teorias de “especialistas” convidados pela mídia “tradicional” para colocar em circulação acusações primitivas, mal-intencionadas e principalmente burras contra a vítima do atentado. Qual é a diferença, então, entre as mentiras mais pervertidas da internet e essas análises da “imprensa de qualidade”? A mídia sempre corre para gritar “sem provas” quando surge alguma acusação que não aprova; o grande clássico do gênero são as urnas do TSE. No caso da tentativa de assassinato contra Trump, publicou-se de tudo — e o “sem provas” não apareceu. A questão, a essa altura, deixou de ser a troca da atividade jornalística regular pelo ativismo pró-esquerda. O que regula a conduta da mídia brasileira e mundial, hoje em dia, é a síndrome do transtorno obsessivo-compulsivo em relação à direita. Os extremistas não são os que querem matar Donald Trump — ou Jair Bolsonaro. Os extremistas, para a mídia, são eles. Não se conhece vacina para esse tipo de psicose.

(*) J.R. Guzzo é jornalista. Integrante do Conselho Editorial de Oeste, foi um dos criadores da Veja, revista que dirigiu durante quinze anos, a partir de 1976, período em que sua circulação passou de 175.000 para 1 milhão de exemplares semanais. Correspondente em Paris e Nova York, cobriu a guerra do Vietnã e esteve na visita do presidente Richard Nixon à China, em 1972. Responsável pela criação da revista Exame, atualmente escreve no Estado de S. Paulo e na Gazeta do Povo.

Fonte: https://revistaoeste.com/revista/edicao-226/o-transtorno-mental-da-imprensa/

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