
Por J.R. Guzzo (*)
Os intelectuais de esquerda, mais os jornalistas, os economistas das grandes e pequenas universidades, os bispos, o papa Francisco, a ministra Marina, os advogados democráticos que acreditam na natureza divina de Lula, os apresentadores da Rede Globo e os robôs da causa do “clima” têm uma história impecável de apoio a muitas das ideias mais estúpidas que já ocorreram ao ser humano — ou a todas, provavelmente. Uma das mais notáveis e mais na moda, nessa gente e nas classes culturais dos Estados Unidos e dos países ricos em geral, é a descoberta de que o agronegócio brasileiro é o culpado pela “fome no Brasil”. É também uma ameaça para o mundo inteiro. Os 225 milhões de bois e vacas que o Brasil tem hoje cometem o crime de provocar o “efeito estufa” e o “aquecimento global”. A soja e o milho “degradam a vegetação natural do cerrado”. Os frangos, nas granjas de alta tecnologia do Brasil, vivem em condições inaceitáveis de estresse. A perfuração do solo em busca de água está entortando o eixo de inclinação da Terra — quer dizer, o sujeito fura um poço artesiano em Jundiaí e o planeta sai do lugar. O presidente Emmanuel Macron diz que os “incêndios na Amazônia” estão tirando o “nosso ar”. A lista não para — nessa toada, os agricultores e os pecuaristas brasileiros vão ser levados amanhã ou depois ao Tribunal Internacional de Haia para responder por crimes contra a humanidade.

O governo Lula, é claro, se declara automaticamente solidário a todas as acusações contra o Brasil — quanto mais cretina a acusação, aliás, mais solidário fica. Tudo bem: a esquerda brasileira tem um instinto infalível para ficar do lado errado de todas as questões possíveis — do seu apoio às ditaduras à guerra contra a liberdade de expressão na internet. É natural que fique contra a produção rural do seu próprio país, que, para piorar as coisas, é uma prova objetiva de que o capitalismo transformou o Brasil de um anão agrícola num dos dois ou três maiores produtores de alimentos do mundo, ao lado dos Estados Unidos e da China. Curiosa, mesmo, é a noção de que o agro brasileiro causa fome — cada vez mais em voga nos salões da Quinta Avenida, nas conversas de intervalo da Ópera de Paris ou nos decretos da Universidade de Oxford, que nos instruem sobre o que é, ou não é, científico. O petista-padrão, é claro, concorda. Não entende direito o que estão dizendo, mas fica a favor. O problema é a lenda que vai sendo criada no mundo considerado culto, civilizado, racional etc. em relação à maior conquista da economia brasileira nos últimos 500 anos. Essa lenda é frontalmente oposta à lógica, aos fatos e à razão. Mas é aceita com a mesma segurança com que se admite a existência dos números primos ou da Lei da Gravidade de Newton.
Como é possível, no funcionamento normal dos circuitos cerebrais, dizer que uma atividade que produz alimento está causando a fome? Ao que parece, a origem desse contrassenso está na convicção de que os 315 milhões de toneladas da safra brasileira de 2023 se destinam ao consumo dos ricos, ao aumento de suas fortunas ou à exportação. Mas o que, então, os 200 milhões de brasileiros estão comendo? Pâté de foie gras comprado na França? Deveriam estar todos mortos ou com aquela cara de refugiado da Somália — mas estão vivos, e o sindicato nacional dos bispos e os “técnicos” da esquerda sanitária nos dizem, a propósito, que o grande problema de alimentação do Brasil é a obesidade, sobretudo nas classes C e D. Mais: como os ricos seriam capazes de comer 315 milhões de toneladas de grãos? Não há um número suficiente de ricos, aqui ou no resto do mundo, para comer tudo isso; rico, aliás, faz regime. Com exceção da soja, a maior parte da produção rural fica no Brasil mesmo e, no caso de produtos como arroz e feijão, quase tudo é consumido aqui dentro. Mesmo a carne de frango, da qual o Brasil é o maior exportador do mundo: cerca de 70% dos mais de 14 milhões de toneladas produzidas em 2022 foram para o consumo interno. Não são “narrativas”, como dizem os manifestos do STF, os comunicadores e a polícia do ministro da Justiça: são números. Nunca a população brasileira teve acesso a tanto alimento. Nunca o mundo precisou tanto do Brasil para comer — o agro brasileiro alimenta, hoje, 1 bilhão de pessoas, ou cinco vezes a população nacional. É ruim isso? A esquerda diz que é.

Até 1970, discutia-se a sério a “escassez de alimentos no Brasil” — a falta de comida era apontada como uma ameaça clara e presente, que iria, entre outras desgraças, “paralisar a indústria”. O Brasil importava alimentos. Um pouco antes, na década de 1950, só havia máquinas agrícolas em 2% das propriedades rurais do país. Em 1975, após 500 anos de atividade, a área rural brasileira produziu uma safra de 40 milhões de toneladas de grãos. E hoje? Este ano, apenas cinco décadas depois, vai colher oito vezes mais. O agronegócio brasileiro, em menos de 50 anos, conseguiu criar a primeira agricultura tropical bem-sucedida da história — a única, na verdade, com esse volume de produção, de renda e de avanço tecnológico. O Brasil, ao lado da China e da Índia, é um dos maiores sucessos da “Revolução Verde” que mudou a existência humana em nossos dias e tornou possível um mundo com 8 bilhões de habitantes. O agro brasileiro está permitindo que a população mundial, hoje, coma mais carne que em qualquer outra época — e que gente que nunca comeu um bife na vida tenha conseguido comer. Vai produzir, em 2023, mais de 10 milhões de toneladas de carne, e abater mais de 40 milhões de bois — o que tornou o Brasil o maior exportador de carne do mundo, e o segundo maior produtor, logo abaixo dos Estados Unidos. É, como dito acima, o maior exportador mundial de frango; foram cerca de 5 milhões de toneladas no ano passado, para 150 países. A mesma indústria produziu quase 50 bilhões de ovos no ano passado — isso mesmo, 4 bilhões de dúzias. O Brasil está em primeiro lugar, igualmente, nas exportações mundiais de soja, de milho, de açúcar, de suco de laranja e de café. Tudo isso, naturalmente, teve um efeito decisivo na redução da miséria no país — caiu a 1,9% da população em 2020, segundo números do Banco Mundial, ou cerca de 4 milhões de pessoas. É o índice mais baixo desde que começaram a fazer essas contas. Como poderia haver “33 milhões de pessoas passando fome” no Brasil, como diz Lula, ou “130 milhões”, como diz sua ministra da natureza, se só há 4 milhões de miseráveis? Não interessa. Os devotos da religião oficial querem passear com boné do MST — ou dizer em Londres que o agronegócio provoca “a fome” no Brasil, além de ser “bolsonarista” e coisa ainda pior.
Ninguém, na discurseira do governo Lula, parece ter notado um fato essencial: o agronegócio brasileiro, hoje, vale mais que toda a produção de petróleo da Arábia Saudita
O idiota-padrão do PT, PCdoB, Psol e da esquerda primeiro-mundista já chegou a dizer que “o povo não come soja” — nunca lhe ocorreu perguntar de onde vem a carne de porco ou de frango, ou como as pessoas fritam um bife. Fora isso, nessa mesma praia, recorre-se à “mudança do clima”, aos desastres naturais e aos delitos gerais contra “a natureza” e o futuro “do planeta”. Calor de 40 graus na Europa, ou incêndios florestais que destroem 10 milhões de hectares no Canadá? É “o clima” — e quem está mudando “o clima”, entre outros réus, é o agronegócio do Brasil. Os agricultores brasileiros são acusados, também, de provocar as enchentes, as secas, os terremotos, o derretimento da calota polar e a atividade “crescente” dos vulcões. É dessa linha que vem a história das mudanças no movimento de rotação da Terra — fruto, segundo os habituais “estudiosos” ou “pesquisadores”, da “captação de quantidades colossais de água para uso agrícola e doméstico”. Ou a pregação cada vez mais histérica das elites verdes da Europa em favor da eliminação de bois e vacas. O governo da Irlanda, relata a revista Spiked, estuda o abate de 200 mil cabeças para reduzir as emissões de amônia; o governo da Holanda pensa em matar 30% de todo o rebanho nacional. É aonde chegou o terrorismo ecológico — matem as vacas para salvar o planeta. Na mesma balada, proíba-se o Brasil de produzir soja — ou, ainda, como pregam os mesmos “especialistas” em “questões climáticas”, prestem muita atenção na “deterioração” dos solos do semiárido do Nordeste, hoje ameaçados pela exploração agrícola. É isso, enfim, o jornalismo de Diário Oficial que se pratica nas redações de hoje, aqui e pelo mundo afora.

Ninguém, na discurseira do governo Lula, parece ter notado um fato essencial: o agronegócio brasileiro, hoje, vale mais que toda a produção de petróleo da Arábia Saudita. O Brasil, no ano passado, exportou US$ 160 bilhões; as exportações de petróleo da Arábia ficaram em US$ 150 bilhões. O agro ajuda a pagar todas as importações do Brasil — e, além disso, contribuiu decisivamente, no ano passado, para o saldo de US$ 60 bilhões obtido pela balança comercial. É dinheiro que se soma às reservas em moeda forte, nos impede de ser um país-mendigo de chapéu na mão diante dos credores e paga as viagens de Lula e Janja em seu programa de volta ao mundo. Dá para imaginar algum país sério que ache bom acabar com a sua produção de petróleo? Não dá. A esperança é que, na hora de agir como adulto, o Brasil deixe de lado a pregação suicida dos seus extremistas. É bom observar, a respeito, que Lula sempre fala muito mais do que faz — no caso do agro, fica mostrando as abóboras do MST, mas na vida real seu governo acaba de aprovar o financiamento da safra, e o volume de dinheiro liberado é maior que o de 2022. É o que está valendo no momento. Vamos ver, agora, se os cérebros do PT começam a exigir o extermínio das lavouras de soja e do rebanho de gado do Brasil — ou se, como de costume, continuam fazendo o que sempre fazem.

(*) J.R. Guzzo é jornalista. Integrante do Conselho Editorial de Oeste, foi um dos criadores da Veja, revista que dirigiu durante quinze anos, a partir de 1976, período em que sua circulação passou de 175.000 para 1 milhão de exemplares semanais. Correspondente em Paris e Nova York, cobriu a guerra do Vietnã e esteve na visita do presidente Richard Nixon à China, em 1972. Responsável pela criação da revista Exame, atualmente escreve no Estado de S. Paulo e na Gazeta do Povo.











