Mistura de alhos com bugalhos

Em meio à COP30, aguardada como um momento da afirmação do Brasil, Lula vai à Colômbia para tratar dos problemas de seu amigo Maduro

COP30 – Foto: Tânia Rêgo/ Agência Brasil

Por Nuno Vasconcellos (*)

Foi mais ou menos como se o pai da noiva deixasse a festa do casamento da filha, que ele planejou com esmero para ser um momento marcante, para dar o ar de sua graça em um pagode barulhento e improvisado na casa do vizinho arruaceiro.

Na quinta-feira passada, o chanceler Mauro Vieira anunciou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, neste final de semana, estará fora do Brasil justamente no momento em que o país deveria estar no centro das atenções do mundo, como sede da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas — a COP30.

Ao invés de cumprir o compromisso que estava previsto e viajar para o arquipélago de Fernando de Noronha, onde deveria inaugurar o novo sistema de energia solar, que substituirá os geradores a diesel que forneciam eletricidade suja para o “paraíso ecológico” — um compromisso que, certamente, ajudaria a dar destaque para os temas debatidos na COP —, o presidente resolveu ir até a Colômbia. O objetivo da viagem extemporânea é participar, na cidade de Santa Marta, da reunião da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) com a União Europeia.

É um encontro tradicional, que acontece pela quarta vez e é destinado a fortalecer o diálogo da América Latina com a União Europeia. Mas a presença de Lula nada tem a ver com esse assunto. O objetivo da ida do presidente, conforme Vieira se esforçou para explicar, é demonstrar “apoio e solidariedade regional à Venezuela”. Isso mesmo. Num momento em que deveria estar com as atenções 100% voltadas para o Brasil, Lula resolve hipotecar solidariedade a Nicolás Maduro.

Lula jamais escondeu as críticas de seu governo ao cerco dos Estados Unidos contra o ditador da Venezuela. Acusado de liderar o Cartel de los Soles — poderosa organização narcoterrorista comandada pelo alto escalão do governo venezuelano — Maduro, que até pouco tempo atrás queria anexar pela força metade da vizinha Guiana a seu território, se converteu em pacifista convicto. Esse milagre aconteceu depois que o presidente Donald Trump deslocou alguns dos navios mais poderosos de sua frota para vasculhar o mar do Caribe e atacar as embarcações que cruzam o mar do Caribe levando drogas venezuelanas para os Estados Unidos.

Lula sempre deixou clara sua posição a respeito desse tema. Conforme seu próprio relato, disse o que pensa ao próprio Trump, no encontro que tiveram dias atrás em Kuala Lumpur, na Malásia. De acordo com Lula, a América do Sul é uma região pacífica e assim deve permanecer. “Somos uma zona de paz, não precisamos de guerra aqui. O problema que existe na Venezuela é um problema político que deve ser resolvido na política”, disse Lula a jornalistas estrangeiros na quarta-feira passada, um dia antes da Cúpula de Líderes, que antecedeu os trabalhos da COP30 em Belém.

O encontro era, sem dúvida, uma oportunidade e tanto que estava ao alcance de Lula para mostrar ao mundo as diferenças do Brasil em relação ao vizinho encrenqueiro. Tudo foi programado para que o presidente ocupasse, durante os dias da Cúpula, o centro das atenções. Diante de uma plateia formada por cerca de 40 presidentes, primeiros-ministros, monarcas, vice-presidentes, vice-primeiros-ministros, Lula deu o recado que dele se esperava. O encontro teve como temas a segurança ambiental do planeta e a passagem da fase do diagnóstico e das propostas de políticas ambientais para o momento das ações afirmativas, capazes de conter as emissões de carbono e de outros gases responsáveis pelo efeito estufa, além de tentar conter a elevação da temperatura média da terra.

Mesmo esvaziado pela ausência dos líderes dos quatro maiores poluidores do mundo — que são, pela ordem, a China de Xi Jinping, os Estados Unidos de Donald Trump, a Índia de Narendra Modi, e a Rússia, de Vladimir Putin —, o encontro tinha tudo para ser o assunto da semana. O recado dado por Lula não poderia ter sido mais claro: o Brasil não apenas quer como tem condições de liderar a transição energética e os esforços em busca de uma economia sustentável e menos agressiva ao meio ambiente.

Acontece, porém, que o anúncio da viagem à Colômbia soou como se a diplomacia brasileira tivesse decidido misturar alhos com bugalhos num momento em que as atenções deveriam estar fixas na afirmação das indiscutíveis potencialidades do país como potência energética global. Lula preferiu apoiar Maduro do que assumir a liderança da causa ambiental. No que diz respeito aos benefícios que pode gerar para o país, convenhamos, a escolha não parece ter sido a mais feliz.

Tratamento frouxo

O encontro da CELAC não servirá para nada além de uma tentativa de lançar uma boia de salvação para o companheiro Maduro. Uma tentativa de defender alguém que não passa, como o mundo inteiro sabe, de um caudilho da pior espécie, acusado de comandar um narcoestado, que reduziu um dos países mais prósperos da América do Sul a um lugar onde muita gente sobrevive comendo “basura” — ou seja, lixo. Por razões como essa, a reunião na Colômbia se reduzirá a uma assembleia de chefes da esquerda latino-americana dispostos a responsabilizar os Estados Unidos por tudo de ruim que acontece na região.

Aliado incondicional de Trump, o presidente da Argentina, Javier Milei, não foi a Belém nem irá a Santa Marta. Outros líderes também deixarão de comparecer à reunião da CELAC por um ótimo motivo. No mesmo dia da reunião, acontecerá em La Paz a posse do novo presidente da Bolívia, Rodrigo Paz. O presidente do Paraguai, Santiago Peña, o presidente do Chile, Gabriel Boric (que mesmo sendo filiado a um partido de esquerda não está disposto a se envolver em confusões com Trump) e outros líderes da região já deixaram claro que preferem prestigiar a posse de Paz do que serem vistos na companhia de Maduro (que, embora não tenha confirmado presença, é esperado no encontro) e do inconsequente mandatário da Colômbia, o ex-terrorista Gustavo Petro.

Não é preciso muito esforço para se lembrar que, por defender ideias favoráveis ao narcotráfico, Petro teve, dias atrás, seu visto de entrada nos Estados Unidos cancelado por ordem do secretário de Estado Marco Rubio. Convém recordar, também, que, em setembro passado, esta coluna não poupou críticas à defesa enfática do tráfico de cocaína, feita por ele durante um evento promovido pelo governo brasileiro em Manaus.

“Se a cocaína fosse legalizada no mundo, não haveria essa destruição da selva Amazônica. Esse é um tema de discussão. Os gringos agora estão usando o fentanil e morrem aos milhares. Quando era cocaína, morriam muito menos”, disse o inconveniente Petro, ao lado do presidente Lula. Em tempo: o evento do qual ele participava consistia na inauguração oficial de um centro destinado à troca de informações sobre o tráfico de drogas entre as polícias da América do Sul. A solenidade era parte da reação do Planalto às críticas da sociedade ao tratamento frouxo dado aos traficantes pelo governo brasileiro. Em especial, pelo ministro da Justiça Ricardo Lewandowski.

Águas internacionais

Pois bem… Preferir estar ao lado de gente como Petro neste momento em que ganharia mais se tivesse permanecido em Belém, que será a capital temporária do Brasil durante a COP30, dedicando atenção exclusiva à agenda positiva proporcionada pela pauta climática, foi uma péssima escolha. Além de nada trazer de positivo para a imagem do Brasil, a ida à Colômbia pode dificultar o trabalho que as empresas e o próprio governo do Brasil vêm fazendo para conquistar a credibilidade e o respeito que ajudaria o país a se firmar como potência energética.

Por trás da decisão de ir a Santa Marta, pelo que se comenta nos bastidores do Itamaraty, está o peso da influência que o assessor para assuntos internacionais, Celso Amorim, exerce sobre o presidente. Perseguido nos círculos diplomáticos internacionais pela fama de antiamericano e antissemita, Amorim dá a impressão de que prefere ficar quieto a tomar qualquer atitude que facilite o entendimento do Brasil com os Estados Unidos. Fazer algo para ajudar a distensionar as relações que ele tanto fez para tornar difíceis é, com certeza, algo que não deve passar pela cabeça de Amorim.

Em Belém, na sexta-feira passada, o assessor disse que o Brasil tem que ficar do lado da Venezuela no caso de um eventual conflito com a maior potência militar do mundo. “Nós temos que defender a América do Sul, nós moramos aqui”, disse em Belém. “Estamos discutindo uma coisa que é na nossa fronteira, praticamente”.

Quem tem uma informação mínima do que se passa no mar do Caribe e na região equatorial do Oceano Pacífico fica espantado diante de um argumento raso como esse. Os ataques americanos às embarcações do tráfico não se dão em mar territorial venezuelano, mas em águas internacionais, a milhas e milhas de distância do continente. E mais: ainda que tivesse acontecido um desembarque de tropas e a luta estivesse se dando em terra, os conflitos estariam se passando em Caracas, a pelo menos mil quilômetros da fronteira do Brasil com a Venezuela.

Não existe qualquer ameaça ao Brasil por parte dos Estados Unidos. O problema é que, ao contrário de ser a zona de paz apregoada por Lula, muita gente ao redor do mundo, a começar por Trump, vê a América do Sul como o epicentro de uma guerra cruel, em que o adversário é o tráfico de drogas e o narcoterrorismo. E os Estados Unidos não estão dispostos a demonstrar consideração por gente como Maduro e Petro, que já deixaram claro que nada pretendem fazer para combater os traficantes.

Desde que o governo do presidente Donald Trump declarou guerra ao tráfico e armou o bloqueio naval destinado a impedir o trânsito livre das drogas para os Estados Unidos pelo Caribe e pelo Pacífico, já houve 17 ataques a embarcações carregadas de drogas. Juntos eles já tiraram a vida de 70 tripulantes acusados de serem traficantes. Mas que Petro prefere chamar de “operários do tráfico”.

Essa guerra pode chegar ao Brasil? Já chegou. Só que aqui, como demonstrou a operação realizada dias atrás no Rio de Janeiro, ela é um problema que pode e deve ser enfrentado internamente. Com as ações de inteligência defendidas pelo governo federal, mas, também, com a indispensável ação militar por parte das forças de segurança.

Relações azedadas

Por qualquer lado que se olhe, portanto, fica difícil encontrar para a viagem do presidente brasileiro a Santa Marta qualquer justificativa que não seja a intenção de testar os limites da “química” que se manifestou entre ele e Donald Trump. Não é segredo para ninguém que as relações entre os dois países se tornaram apenas formais nos últimos anos justamente porque, sob as administrações petistas, o Brasil fez a escolha deliberada de virar as costas para Washington e se aliar a países que jamais esconderam sua hostilidade aos Estados Unidos.

Também não é segredo que, depois das tarifas de 50% impostas pelos Estados Unidos à maioria dos produtos que importa do Brasil, o pessoal do Itamaraty passou semanas na busca infrutífera por canais de entendimento com os Estados Unidos. As conversas começaram recentemente e seria ingênuo supor que o encontro que os dois presidentes tiveram semanas atrás em Kuala Lumpur, na Malásia, tenha sido suficiente para aparar todas as arestas que dificultam o entendimento.

A pergunta óbvia é: o que o Brasil tem a ganhar hipotecando de forma tão enfática seu apoio a Maduro e a Petro num momento em que isso pode causar danos ao entendimento comercial com os Estados Unidos? E mais: por que abrir um novo foco de tensão com o governo americano neste momento em que qualquer assunto paralelo pode desviar a atenção da COP30 — que deveria ser um marco da afirmação do Brasil como potência energética?

Quaisquer que sejam as respostas, é inevitável reconhecer que o Brasil, nos últimos anos, perdeu espaço e prestígio no cenário global e que isso se deve, sem dúvida, às posições que resolveu assumir desde que, por escolha do governo, resolveu se afastar dos velhos parceiros ocidentais e se aproximar da China, da Rússia, do Irã e de outros países que podem até ser bons parceiros comerciais. E com os quais ele tem todo o direito, e até a obrigação, de ampliar seus negócios. Mas que, como aliados geopolíticos, não são e nunca foram confiáveis.

As posições que o governo brasileiro vem assumindo em matéria de política internacional vêm sendo recebidas com desconfiança por boa parte dos países desenvolvidos e a posição de liderança em questões ambientais que o Brasil ocupou no passado não é tão incontestável nos dias de hoje. Prova disso está, justamente, na quantidade de líderes mundiais que marcaram presença em Belém na semana passada. Os cerca de 40 presidentes, primeiros-ministros e monarcas que passaram por lá somam menos da metade dos 108 chefes de Estado que estiveram na ECO92, realizada 33 anos atrás no Rio de Janeiro, durante o governo de Fernando Collor de Mello.

Os principais líderes do mundo, inclusive o então presidente dos Estados Unidos, George Bush, o pai, estiveram naquele encontro, que abriu os debates em alto nível a respeito da questão ambiental, evoluíram e resultaram na assinatura do acordo de Paris, em 2015. O baixo comparecimento de líderes à COP30 se explica por essa perda de prestígio.

Mas, também se explica pelas condições precárias de Belém para receber as delegações estrangeiras interessadas nesse debate. E, claro, pela ganância dos especuladores paraenses, que, com a intenção de ganhar durante os quinze dias da conferência uma quantidade de dinheiro que não ganhariam numa vida inteira, cobraram preços extorsivos pela hospedagem dos visitantes.

Essa nem é a questão que mais interessa. A maior diferença entre os dois momentos, ou seja, entre a conferência de 1992 e a que acontece agora, está, justamente, na autoridade do país anfitrião para tratar desse assunto. Àquela altura, o mundo queria ouvir o que o Brasil tinha a dizer em matéria de questões ambientais. Agora, o Brasil precisa se esforçar para que o mundo ouça seus argumentos.

As propostas para enfrentamento dos problemas ambientais marcarão os debates que serão travados nas próximas duas semanas — quando começarão a surgir as propostas mais claras para o enfrentamento da questão climática. Será possível, então, avaliar com mais clareza a adesão dos países desenvolvidos ao Fundo de Florestas Tropicais Para Sempre (TFFF, na sigla em inglês), com o qual se pretende captar US$ 125 bilhões para investir na preservação das florestas. Se a iniciativa dará certo ou não são outros quinhentos. Como acontece com todo fundo que se preza, o sucesso do TFFF dependerá em grande parte da credibilidade de quem formula os objetivos e administra o dinheiro. Tomara que o Brasil consiga assumir esse papel.

Mas, para isso acontecer, terá que passar a fazer as escolhas certas.

(*) Empresário luso-brasileiro

Fonte: https://ultimosegundo.ig.com.br/colunas/nuno-vasconcellos/2025-11-09/mistura-de-alhos-com-bugalhos.html

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