Mesmo parlamento que discute voto impresso realiza votações em sistema frágil e fraudável pelo celular

Com a pandemia, os plenários da Câmara e Senado não ficaram paralisados; nas sessões remotas, o telefone substituiu o deputado, mas o aparelho pode estar em qualquer mão

Por José Maria Trindade

O mesmo parlamento que discute a volta do voto impresso realiza votações importantes pelo celular, num sistema visivelmente frágil e fraudável.

Ficaram famosos deputados que votaram por colegas, conhecendo os seus códigos. Os chamados “pianistas” usavam uma mão para o seu voto e a outra ficava na mesa ao lado, para votar em nome do colega.

O movimento era parecido com o de tocar piano. Houve punição e ameaça de cassação. A Câmara dos Deputados tomou providências. Foram instaladas borboletas e teclados para ocupar as duas mãos dos parlamentares. Era humilhante: o deputado tinha que torcer uma borboleta na parte inferior da mesa, com a mão esquerda, e ao mesmo tempo, com a mão direita, pressionar a opção de voto que ficava na parte de cima do posto de votação.

O processo foi atualizado e cada mesa ganhou um leitor de digital, de forma que só presencialmente o deputado poderia acionar o local de votação. Os votos são tomados e o resultado revelado no final da votação. Desde o ano passado, o processo mudou.

Com a pandemia, as equipes técnicas da Câmara e Senado ficaram diante do desafio de criar um novo sistema.

A sessão remota, que pelo jeito chegou para ficar, foi estruturada às pressas e mudou o Congresso. Os presidentes da Câmara e Senado ganharam poderes extras.

De uma central com controles e monitores, as sessões são comandadas de forma mais rápida, mas os deputados não podem discutir entre eles e acabaram os acordos fechados entre grupos distintos. O presidente da sessão é o “todo poderoso” do momento.

Foi assim que a Câmara quebrou o recorde e votou, numa única sessão, mais de 60 propostas debatidas nas 26 votações. Uma quinta-feira, com madrugada e quórum de 504 dos 513 deputados. É de desconfiar.

Quando o quórum é muito alto por aqui, os líderes desconfiam. É que não votar, ou estar ausente, tem o seu significado político. O parlamentar se ausenta do plenário não é por preguiça.

Por aqui, o preguiçoso nem chega, uma campanha já é um teste poderoso de maratona. Falta de quórum é um posicionamento político, e dos mais importantes.

O sistema de votação criado às pressas implanta no celular do deputado um aplicativo para votar e participar da sessão. Eu já presenciei deputados e senadores votando daqui de Brasília e na sessão remota.

Um assessor avisa que o processo está aberto e o deputado registra o voto e pronto. Não há nenhuma garantia de que o celular esteja nas mãos do parlamentar, eleito para este monopólio do voto.

Hoje, o deputado pode deixar o celular com o assessor, filho ou amigo e ir dormir.

Uma fraude que pode gerar a cassação por falta de decoro parlamentar, mas de comprovação difícil demais. Mesmo depois da pandemia, as sessões remotas vão continuar.

Deverão ser para casos especiais e poderão ser mistas, com deputados presentes e de forma remota.

Hoje já existe tecnologia para identificar o parlamentar por reconhecimento facial e digital. Disseram técnicos que não foi usada por dificuldades dos próprios deputados.

O certo é que o “pianismo” voltou e muito mais forte. Microfone e câmera desligados, o telefone se transforma em mesa de votação e pode ser levado para qualquer lugar.

* É jornalista, comentarista político, correspondente da Jovem Pan em Brasília e escreve sobre o poder e seus bastidore

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