Fé ameaçada: Templos de matriz africana são impactados por riscos ambientais

Deslizamento Mauazinho = Foto: João Dejacy

Uma análise inédita em Manaus revelou que terreiros e templos de religiões afro-brasileiras — espaços sagrados e centros comunitários para a população negra e praticantes — estão localizados em proximidade com áreas identificadas como de alto risco geológico, incluindo zonas de inundação, alagamento, erosão e deslizamento.

O achado, realizado com base no mapeamento do Serviço Geológico do Brasil (CPRM) e divulgado no contexto da Semana da Consciência Negra, lança luz sobre a vulnerabilidade territorial e simbólica desses locais de fé.

Riscos físicos e espirituais

O relatório “Mapeamento das áreas de risco geológico da zona urbana de Manaus (AM)”, elaborado pela CPRM, classifica centenas de setores da capital amazonense como de alto (R3) e muito alto risco (R4) para desastres naturais.

A sobreposição desses dados com o levantamento dos pontos dos terreiros/templos, realizada com o apoio do Atlas ODS Amazônia e o Instituto Ganga Zumba, confirma a proximidade dos locais de culto de matriz africana com as zonas de risco.

Essa interseção aponta para uma vulnerabilidade em várias dimensões:

  • Física e Estrutural: Risco à segurança dos edifícios e das pessoas.
  • Simbólica e Cultural: Risco à preservação da cultura, da fé e do senso de pertencimento da comunidade.

A sacerdotisa Agonjaí Nochê Flor de Navê, do Templo de Tambores de Mina Jejê-Nagô Xwê Ná Sin Fifá (zona Norte), comentou o impacto dessa insegurança:

“Quando um terreiro é erguido em área de risco, todo esse universo fica ameaçado. Quando o risco avança sobre o terreiro, não é só o barranco que desaba, é também a segurança espiritual da comunidade.”

Desigualdade urbana e desastres

A pesquisadora Aixa Lopes, especialista em desastres urbanos, enfatiza que os desastres se tornam mais graves quando combinados com a desigualdade urbana.

“Desastres naturais são situações em que uma comunidade é atingida por fenômenos extremos, como chuvas muito fortes, cheias ou deslizamentos, que causam muitos danos e prejuízos. Esses eventos ficam mais frequentes e mais graves quando cresce o número de assentamentos urbanos irregulares, aumentam as áreas precárias e as mudanças climáticas intensificam os eventos extremos.”

O mapeamento atual utiliza dados públicos da CPRM de 2025, o que permitiu associar as áreas de risco aos templos e identificar o tipo de desastre que ocorre nas proximidades de cada local de culto.

Principais achados do mapeamento

Deslizamento Mauazinho = Foto: João Dejacy
  • Concentração de risco: As zonas Leste e Norte concentram o maior número de domicílios e localidades em risco. As zonas Sul e Oeste, historicamente vulneráveis a enchentes e alagamentos, também apresentam templos em locais de risco evidente.
  • Impacto na população: A atualização de 2025 da CPRM indica que Manaus tem 438 setores classificados como risco alto (R3) ou muito alto (R4), impactando cerca de 112 mil pessoas.
  • Função dos terreiros: Os terreiros são mais do que locais de culto; são centros comunitários, educacionais e de resistência identitária. Qualquer ameaça à sua infraestrutura ou atividade tem um impacto ampliado na comunidade negra.

Relevância no mês da Consciência Negra

O pesquisador Danilo Egle, do Atlas ODS Amazônia, destaca que o mapa é um chamado à ação, dada a proximidade de territórios sagrados com áreas de risco iminente e a gravidade crescente dos eventos climáticos.

Ele ressalta que as políticas de proteção não devem se limitar às manifestações culturais visíveis, mas devem também garantir a segurança e permanência dos terreiros e templos como parte do patrimônio imaterial e territorial negro.

A preservação desses espaços exige visibilidade, engajamento institucional e uma ação coordenada entre o poder público, a sociedade civil e as comunidades de terreiro, integrando fé, cultura e o sagrado às políticas de prevenção de riscos e planejamento urbano.

Assessoria de comunicação: Vívian Oliveira

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