A lógica por trás dos movimentos de Trump

O governo americano aumenta a pressão contra a Venezuela e, ao mesmo tempo, faz afagos no Brasil. Tomara que Brasília saiba tirar proveito

Donald Trump, presidente dos Estados Unidos – Foto: Casa Branca/Reprodução

Por Nuno Vasconcellos (*)

Enquanto os Estados Unidos apertam o cerco contra a Venezuela e continuam explodindo os barcos que se arriscam pelo Mar do Caribe carregados de drogas, a América do Sul prende a respiração à espera dos próximos movimentos desse jogo. O presidente Donald Trump, a bem da verdade, ainda não deixou claro até onde pretende avançar em sua escalada militar contra a ditadura bolivariana. A única intenção clara, até aqui, é ver o ditador Nicolás Maduro fora do poder e que, de preferência, ele deixe o Palácio de Miraflores caminhando com as próprias pernas, sem ter que ser arrastado para fora de lá pelos marines.

O cerco a Maduro é cada vez mais sufocante. Na semana passada, circulou a informação de que o empresário brasileiro Joesley Batista, da JBS, visitou o ditador em Caracas, supostamente para reforçar o recado de Trump para que ele saia imediatamente do poder. Resta saber se as credenciais que Batista tem como fornecedor de proteína animal para a elite venezuelana são suficientes para torná-lo portador de uma mensagem tão importante. Resta saber, também, se Joesley, como é do seu feitio, teve a coragem de gravar a conversa com Maduro para, depois, jogá-la ao vento em seu benefício…

Seja como for, o fato é que o avião de Joesley pousou em Caracas num momento em que o espaço aéreo da Venezuela já estava fechado por ordem de Trump, como parte da estratégia para isolar o ditador. É evidente, porém, que a saída por conta própria, depois de esgotadas todas as possibilidades de seguir governando, não é a única hipótese que Maduro precisa levar em conta.

Quem acompanha os movimentos desse jogo sabe que uma incursão armada pode ocorrer a qualquer momento com o objetivo cirúrgico de, como se diz na gíria das operações militares, “extrair” o ditador Nicolás Maduro do Palácio de Miraflores. Esse movimento, embora possível, não parece tão provável neste momento (se bem que, em se tratando de Trump, uma mudança súbita de rumos, como já aconteceu em outros conflitos, não causaria a menor surpresa). Tudo dependerá, é evidente, da avaliação dos riscos políticos envolvidos na operação. Nesse caso, a hipótese de que tudo seja mantido como está por mais algum tempo é a mais razoável neste momento. Por quê? Vamos aos fatos.

Para começar, o principal argumento utilizado pelos que consideram inevitável e iminente uma incursão militar destinada a capturar Maduro é o de que o custo da operação naval armada para sufocar a Venezuela é elevado demais para que o cerco se prolongue por mais tempo. Por esse ponto de vista, se Trump não estivesse disposto a entrar em ação, não investiria tantos dólares no deslocamento de uma força militar capitaneada pelo maior porta-aviões do mundo — o USS Gerald Ford.

Tanto faz

É aí que está a diferença entre os Estados Unidos e os outros países do mundo: as despesas com o porta-aviões e com os demais navios envolvidos na operação já estavam previstas no orçamento do Departamento de Guerra e seriam feitas de qualquer maneira, mesmo que Trump não decidisse deslocar uma frota para o Caribe. Em termos de custos, tanto faz se um navio desse porte está fundeado nas proximidades de Trindade e Tobago, a cerca de 400 milhas náuticas da Venezuela, ou se é mantido perto da ilha de Malta, no Mar Mediterrâneo, onde estava anteriormente.

Movido por propulsão nuclear, o Gerald Ford pode dar mil voltas ao mundo sem que isso gere um centavo a mais de gastos com combustível — como aconteceria com um navio de propulsão convencional. O gasto com os 4600 tripulantes da embarcação também é fixo e seria realizado de qualquer maneira, mesmo que eles continuassem cumprindo sua missão anterior, no Mediterrâneo. Finalmente, os custos com os aviões e os drones que decolam do convés para caçar e destruir as embarcações do tráfico são até modestos diante dos objetivos que se pretende alcançar.

Sendo assim, o argumento de que o custo da operação revela a intenção de uma entrada imediata em operação não se aplica neste caso. O valor gasto com a frota no Caribe sairia de qualquer maneira dos cofres do Tesouro Americano, onde quer que os navios estivessem. A discussão, portanto, envolve variáveis relacionadas não com o custo, mas, sim, com a oportunidade ou, se preferir, com a conveniência e com a necessidade de tomar a atitude extrema de colocar os pés em um país estrangeiro.

Boné do MST

A primeira pergunta a ser feita, nesse caso, é: o que Trump ganharia caso mandasse os soldados altamente treinados de suas Forças Especiais colocar as botas em solo venezuelano? Outra pergunta: será que uma intervenção direta geraria resultados mais eficazes do que a estratégia atual — que consiste em pressionar o ditador, deixá-lo esgotado, amedrontar o que resta de seu governo, fazer com que os apoiadores se rebelem e estimular uma situação que torne inevitável a troca de comando na Venezuela? E mais: não seria mais vantajoso, levando-se em conta o futuro do país caribenho, deixar que os próprios venezuelanos se mobilizem e ejetem Maduro do poder?

As respostas a essas questões estão na cabeça de Trump e de seu círculo mais próximo de assessores — que dispõem de dezenas de alternativas para dar sequência ao plano que de fato interessa. Quem tentar entender a lógica por trás de movimentos mais recentes notará que a intenção de combater o tráfico internacional de drogas (por mais real e necessária que ela seja) é apenas um movimento da sinfonia que realmente interessa. O essencial, no final de tudo, é trazer de volta os países que se desgarraram nos últimos anos e manter a América Latina sob a influência geopolítica e econômica dos Estados Unidos.

Nesse sentido, os movimentos recentes de Trump em relação ao Brasil e à Colômbia têm sido tão estratégicos quanto a operação de asfixia da ditadura bolivariana. Embora haja uma receita específica para ser utilizada em relação a cada um desses países, todos os movimentos convergem para o mesmo ponto: a reconquista da hegemonia continental.

Esse ponto, a cada dia, se torna mais claro. Em primeiro lugar, Trump quer Maduro fora do poder, o que já é dado como fato consumado $[favas contadas]$ ou algo inevitável. E, na sequência, ver a Venezuela nas mãos do grupo liderado pela detentora do Prêmio Nobel da Paz, Maria Corina Machado.

O ditador, é claro, resiste a seu estilo a essa hipótese, a ponto de expor ao ridículo os apoiadores que lhe restam entre a população venezuelana. Nos últimos dias, as milícias bolivarianas foram mostradas pela TV estatal treinando com arco e flecha e usando cajados em vez de armas de fogo para combater os fuzileiros fortemente armados da Marinha dos Estados Unidos.

O certo é que, até aqui, Maduro se mantém à frente de um governo que, mal e porcamente, respira por aparelhos. Na semana passada, ele fez um pronunciamento histriônico, num portunhol para lá de empastelado, implorando que o povo brasileiro vá às ruas para apoiar o seu governo. E, como prova de sua amizade com o Brasil, mostrou um boné que ganhou dos agitadores do MST. Alheio à realidade, o tirano certamente ignora a rejeição que o bando que comete todo tipo de barbaridade em nome da reforma agrária sofre fora dos círculos mais radicais da extrema-esquerda brasileira.

Países desgarrados

Quando o ditador cair, não restará ao novo governo outro caminho que não o de se entender com os Estados Unidos. No caso da Colômbia, que já foi o aliado mais fiel dos Estados Unidos na região e contou com a ajuda americana para combater os cartéis que infernizaram a vida no país até o final dos anos 1990, o movimento também é claro. Trump criará dificuldades crescentes para impedir que o narcopresidente Gustavo Petro se reeleja nas eleições marcadas para meados de 2026. E contará com a ampla rede de apoio que os Estados Unidos têm na sociedade colombiana para tentar ver no poder alguém com quem possa dialogar em termos minimamente sérios — o que seria impossível com Petro.

A pergunta inevitável a essa altura é: e o Brasil? Tudo indica que, em relação ao Brasil, a intenção de Trump é aliviar a pressão e atrair o governo petista para seu lado. Quanto mais natural for esse movimento e quanto mais parecer $[que]$ que a iniciativa da aproximação coube ao Brasil, melhor para ele. Será que isso é possível? A julgar pelos movimentos da semana passada, a resposta é sim.

Nos últimos dias, chamou a atenção a mudança de postura do governo americano em relação ao Brasil — a ponto de muita gente dar como certa a improvável suspensão imediata das sanções impostas por Trump a uma série de autoridades brasileiras. Durante sua passagem por Pernambuco na terça-feira passada, onde participou da cerimônia de anúncio da ampliação da Refinaria Abreu e Lima, no município de Ipojuca, Lula reservou tempo em sua agenda para dar um telefonema para Trump.

Felizmente para o Brasil, o presidente, pelo menos desta vez, manteve o tirano da Venezuela fora da conversa. No telefonema, o presidente brasileiro agradeceu a Trump pela recente retirada das tarifas draconianas de 40% impostas a alguns produtos que os Estados Unidos importam do Brasil. Saíram da lista a carne bovina (fresca, resfriada e congelada), o café, o cacau e seus derivados, algumas frutas, vegetais e nozes. Ótimo! Qualquer avanço nesse campo é sempre bem-vindo e merece, sim, ser comemorado.

É bem verdade que esses produtos se livraram da taxação por iniciativa exclusiva dos Estados Unidos — sem qualquer motivação que não fosse a pressão natural das leis do mercado. Maior e mais eficiente produtor de alimentos do mundo, o agronegócio fez do Brasil um parceiro indispensável para qualquer país do mundo. Inclusive, como se viu neste momento, para os poderosos Estados Unidos da América. A paralisação das importações brasileiras tinha puxado para o alto os preços do hambúrguer, do café e do chocolate, que são essenciais na dieta da classe média americana.

Reconhecer que a lista de restrições americana aos produtos brasileiros se deu porque os Estados Unidos precisam desses alimentos não diminui, mas, ao contrário, só aumenta o peso relativo do Brasil nesse jogo. Nada dependeu, especificamente, da habilidade do Itamaraty para lidar com as sanções americanas, mas, apenas da relevância que o agronegócio brasileiro tem no mercado internacional — simples assim!

Agora, chegou a hora da diplomacia brasileira provar seu valor. Ela terá que mostrar serviço para remover as sanções tarifárias que ainda pesam sobre artigos industrializados importantíssimos para a economia nacional. Trata-se de motores, máquinas, equipamentos agrícolas, autopeças e outros produtos de alto valor agregado. Se as sanções sobre esses artigos caírem nos próximos dias, aí sim, ficará nítido que os Estados Unidos estão realmente dispostos a buscar um entendimento com o Brasil — e não apenas a adaptar as punições que aplicaram às conveniências de seu próprio mercado.

Ponto de vista americano

Questões comerciais à parte, outro ponto precisa ser destacado. Lula também pediu a ajuda dos Estados Unidos no combate ao crime organizado. A nota divulgada pelo Itamaraty após o telefonema diz que o presidente brasileiro chamou a atenção de Trump para “as recentes operações realizadas no Brasil pelo governo federal, com vistas a asfixiar financeiramente o crime organizado”. Além disso, ele “identificou ramificações $[das facções]$ que operam a partir do exterior”.

A iniciativa de Lula de trazer esse tema para o debate não deixa de expor um aspecto interessante. A administração petista sempre teve uma postura leniente em relação ao crime organizado. Agora, porém, demonstra uma grande preocupação com o assunto. O fato é que o tratamento amistoso que sempre deu aos criminosos começou a cobrar um preço elevado e a fazer um estrago e tanto na popularidade do governo federal. Como parte da estratégia para apagar a má impressão, o próprio Presidente da República tomou a iniciativa de levar o tema para a conversa com Trump.

Menos de 24 horas

Na quarta-feira passada, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse ter recebido da embaixada dos Estados Unidos em Brasília um pedido de acesso a documentos sobre operações brasileiras de combate ao crime organizado. De acordo com o ministro, a Receita Federal já estava providenciando a tradução dos documentos para o inglês antes de encaminhá-los à embaixada.

Tudo bem… Ainda que as ações contra o crime organizado tenham entrado na pauta do governo apenas por conveniência eleitoral, elas são muito bem-vindas. Antes tarde do que nunca. Mas, pelo visto, as autoridades brasileiras ainda estão em processo de adaptação a essa nova realidade. Um ponto interessante para se observar em relação a isso é o senso de urgência de um governo e do outro para lidar com os problemas.

Menos de 24 horas depois de o $[do]$ presidente Lula ter pedido a ajuda de Trump para combater o crime, a máquina pública americana já havia se mobilizado e feito chegar ao governo brasileiro um pedido formal de informações sobre o andamento de investigações que interessam aos dois países. E como o governo brasileiro reagiu ao pedido?

Bem… em vez de disponibilizar os documentos imediatamente e escalar um funcionário versado em inglês para entregá-los e discuti-los pessoalmente com as autoridades americanas, a Receita decidiu, de acordo com as informações do próprio ministro da Fazenda — e, portanto, acima de qualquer dúvida — submetê-los à tradução. Isso é algo que, hoje em dia, sincera e honestamente, é feito de forma instantânea, com rapidez e segurança, pelos recursos mais avançados da Inteligência Artificial. A decisão de mandar os arquivos para tradução apenas atrasa a remessa dos documentos — e, nesse jogo, a demonstração de agilidade é prova de interesse.

Outro ponto: o Brasil precisa, no aspecto particular do combate ao crime organizado, mais do que a troca de dados e mais do que o cruzamento de informações que levam à asfixia financeira das facções. Por mais que a troca de informações de inteligência seja indispensável, ela é insuficiente e até ineficaz contra bandidos armados com fuzis e metralhadoras de grosso calibre como os que ocupam as comunidades cariocas. Eles dominam e exploram territórios, usam os moradores das favelas como escudos e cometem todos os tipos de barbaridade contra a população. Precisam ser postos fora de circulação. Ponto final.

Por mais que o governo federal critique as operações policiais nas comunidades dominadas pelo crime, é obrigatório reconhecer que, sem elas, o problema permanecerá insolúvel. Ninguém em sã consciência defende o uso gratuito da truculência no combate ao crime. Mas as operações precisam ser sistemáticas e com o uso de força proporcional aos armamentos de guerra dos bandidos. E mais: quanto mais eles se armarem para resistir ao cerco do Estado, mais vítimas haverá entre os criminosos. É lamentável, mas é o preço que precisa ser pago pelos anos de omissão das autoridades — que viram as facções crescer sem nada fazer para impedir.

Os Estados Unidos são importantíssimos nessa luta e, pelo visto, estão dispostos a colaborar. Mesmo porque, uma ajuda efetiva nesse tema delicado pode ser essencial para que o governo americano cumpra o objetivo que tem para o Brasil: o de atraí-lo para seu campo de influência — ainda que isso exija vencer as resistências que a simples menção aos Estados Unidos da América ainda enfrenta na esquerda brasileira e em setores do próprio governo.

Trump tem tempo. Mesmo porque, como já foi dito outras vezes neste espaço, ele tem as pedras brancas em seu poder e isso lhe dá a prerrogativa de tomar a iniciativa nesse tabuleiro geopolítico em que se transformou a América Latina. Tomara que a situação evolua da melhor maneira possível, sem provocações e sem picuinhas capazes de inibir as iniciativas americanas. Tomara que o governo brasileiro, nem que sua intenção seja apenas a de investir na própria popularidade, não perca essa oportunidade de contar com a ajuda americana. Tomara.

(*) Empresário luso-brasileiro

Fonte: https://ultimosegundo.ig.com.br/colunas/nuno-vasconcellos/2025-12-07/a-logica-por-tras-dos-movimentos-de-trump.html

DEIXE SEU COMENTÁRIO

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.