A corrida está apenas no começo

A candidatura de Flávio Bolsonaro e o recuo de Trump em relação à Magnitisky acrescentam novos ingredientes à disputa eleitoral de 2026

Por Nuno Vasconcellos (*)

No ambiente político brasileiro, que vinha produzindo barulho demais para resultados de menos, a semana passada produziu fatos novos que pelo menos serviram para obrigar os arautos da mesmice a encarar o cenário com um olhar diferente. Antes desses novos acontecimentos, e por mais agitação que houvesse na política, nada mudava de lugar. Ou melhor, tudo parecia caminhar a passos preguiçosos e previsíveis, como se as eleições do próximo ano não passassem de uma formalidade destinada a dar mais quatro anos de mandato ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Este era, e ainda é, o cenário mais provável. Mesmo nos momentos de popularidade mais baixa, nenhum acontecimento parecia ter força suficiente para abalar o favoritismo de Lula na disputa. E nenhum dos políticos que já haviam assumido a intenção de enfrentá-lo, como os governadores Ronaldo Caiado, de Goiás, Ratinho Júnior, do Paraná, e Romeu Zema, de Minas Gerais, parecia reunir condições de visibilidade e apelo eleitoral suficientes para derrotá-lo.

Tudo dependeria, no final das contas, do desenrolar de uma campanha em que Lula, talvez por estar sozinho na raia, largaria com uma dianteira quilométrica sobre qualquer outro postulante. O nome apontado com mais chances de ameaçar o favoritismo do presidente, o do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, sempre se mostrou esquivo e dividido entre uma reeleição mais do que provável ao Palácio dos Bandeirantes e uma candidatura presidencial contra Lula, um adversário experiente e disposto a não poupar esforços para permanecer no poder. De uma semana para outra, tudo mudou.

Mapa traçado

O Brasil está a 294 dias, ou quase dez meses, das eleições. Por mais exíguo que o tempo pareça e por mais previsíveis que tenham sido os movimentos que geraram a situação atual, ainda é cedo para arriscar qualquer previsão — mesmo porque, as peças ainda estão ocupando suas posições sobre o tabuleiro. Mas, para quem se habituou a avaliar o cenário como se o mapa já estivesse traçado, a semana passada foi tão rica em novidades que torna sem efeito a maioria das avaliações anteriores. Lula ainda é favorito. Mas, agora, já não está mais sozinho na disputa. E corre o risco de escorregar em cascas de banana que surgiram em seu caminho depois daquela que parece ter sido a maior, senão a única, vitória diplomática de seu governo: a distensão nas relações com os Estados Unidos.

O início da semana foi marcado pelos primeiros movimentos do senador Flávio Bolsonaro como candidato a presidente da República. Na sexta-feira retrasada, o filho mais velho do ex-presidente Jair Bolsonaro informou aos eleitores, aos correligionários e aos adversários que havia sido ungido por seu pai para disputar a presidência da República pelo PL em 2026.

A entrada de Flávio em cena embaralhou novamente as cartas de uma disputa eleitoral que já parecia decidida e demonstrou que, mesmo confinado numa cela de 12 metros quadrados na Superintendência da Polícia Federal, em Brasília, e impedido de qualquer contato com a imprensa ou com a população, Jair Bolsonaro ainda é um nome muito influente na política. Tratado pelos “analistas de plantão” como um candidato tampão que dificilmente iria até o fim na disputa, a chegada de Flávio esteve presente em todas as discussões eleitorais ao longo da semana.

A entrada em cena de alguém com o sobrenome da família e a autoridade para se dirigir em nome do ex-presidente aos 58 milhões de eleitores que apoiaram Jair Bolsonaro no segundo turno de 2022 injetou ânimo nas alas mais engajadas da direita brasileira. E a discussão obrigatória passou a ser as chances eleitorais do senador. Será que ele é um adversário à altura de Lula? Será que ele é o nome mais preparado para essa disputa?

Independentemente das possibilidades eleitorais do senador e de, pelo menos por enquanto, não abalar o favoritismo do presidente Lula, a chegada de Flávio injetou ânimo nas alas mais engajadas do bolsonarismo. Mas antes que sua presença se traduzisse em números consistentes nas pesquisas eleitorais mais sérias, um novo ingrediente foi acrescentado à receita. Na sexta-feira passada, o governo dos Estados Unidos anunciou a exclusão do nome do ministro Alexandre de Moraes e de sua mulher, Viviane Barci de Moraes, da lista de sancionados pela lei Magnitisky. Foi, então, a vez da esquerda ficar eufórica.

Medida unilateral

A presença do ministro e de sua mulher entre os atingidos pela Magnitisky, criada pelo governo dos Estados Unidos para punir violadores de direitos humanos em qualquer parte do mundo, era uma espécie de troféu que os apoiadores de Jair Bolsonaro utilizavam como prova de que o julgamento conduzido por Moraes, que impôs ao ex-presidente uma pena de 27 anos de prisão havia sido injusto.

Com a decisão do presidente Donald Trump de reverter a decisão, o troféu mudou de mãos e passou a ser erguido pelas hostes esquerdistas como prova de que não há nada de errado com o processo nem com a sentença que jogou na cadeia e alijou da disputa o único nome capaz de ameaçar o favoritismo de Lula.

À primeira vista, como não poderia deixar de ser, a revogação das sanções da Magnistiski foi vista como uma derrota e tanto para os apoiadores de Bolsonaro. Dos Estados Unidos, o deputado Eduardo Bolsonaro, irmão de Flávio, lamentou a decisão de Trump.

Seja como for, o alívio das sanções sobre Moraes (que, como outros integrantes do STF e mais algumas autoridades brasileiras, ainda está impedido de pisar em território americano) indica uma mudança de estratégia dos Estados Unidos em relação ao Brasil. O que antes parecia ser movido a ameaças, agora parece funcionar na base do diálogo. Só que as comemorações parecem um tanto exageradas. E ninguém pode afirmar, com certeza, que, daqui por diante, tudo correrá às mil maravilhas nas relações dos Estados Unidos com o Brasil.

A questão é que, infelizmente, a diplomacia brasileira continua participando dessa história como um sujeito passivo, ou seja, como alguém que não tem voz ativa nas negociações com o adversário mais poderoso. Em outras palavras, não é possível atribuir a revogação das medidas da Magnistsky a qualquer movimento eficaz da diplomacia brasileira que, sob a orientação de Lula, teria negociado com a Casa Branca a retirada das sanções contra Moraes. Infelizmente, não foi o que aconteceu.

A remoção do nome do ministro da lista de sancionados pela Magnitisky foi uma medida unilateral do governo americano. Assim como sancionou Moraes sem consultar a quem quer que fosse, o governo americano o retirou de lá por sua própria conta. Se o Itamaraty teve alguma influência sobre a decisão, ela foi mínima. Para não dizer que tenha sido absolutamente nula.

A verdade é que desde a aplicação das sanções, em momento algum os Estados Unidos se mostraram dispostos a levar a aplicação da lei às últimas consequências. E, diante da falta de iniciativa para tomar as medidas complementares contra os bancos e empresas que tivessem Moraes como cliente, os efeitos práticos da lei vinham sendo inócuos.

A permanência do nome do ministro entre os sancionados sem que qualquer consequência pesasse sobre ele acabaria por desmoralizar o instrumento. Sendo assim, o governo americano julgou mais eficaz desistir desse instrumento e promover uma mudança de rumo na estratégia e no discurso em relação ao Brasil.

Questão de Estado

Entre os lamentos dos bolsonaristas e as comemorações ufanistas dos partidários de Lula, o senador Flávio Bolsonaro entrou em cena para lembrar que a retirada do nome de Moraes da lista de sancionados não encerra a questão. Ela apenas significa uma mudança de fase de um jogo que exigirá do Brasil uma série de medidas compensatórias. E que ainda pode gerar muitas consequências e frustrações tanto para a direita quanto para a esquerda brasileiras.

Ao comentar o assunto, Flávio Bolsonaro disse que, com a exclusão, “Trump fez um gesto gigantesco pela anistia”. Na visão do senador, o recuo da Casa Branca em relação a Moraes pode ser interpretado como uma antecipação de pagamento por favores que incluem a votação da anistia a seu pai. E que poderão resultar, mais adiante, suspensão das sobretaxas que dificultam a entrada de produtos industrializados brasileiros no mercado americano. Será que isso faz sentido? Pode ser que sim, pode ser que não. Tudo dependerá da postura que o Brasil adotar daqui por diante em seu relacionamento com os Estados Unidos.

O certo é que, a despeito dos elogios feitos pelo vice-secretário de Estado dos Estados Unidos, Cristopher Landau, a recentes avanços institucionais do Brasil, e da tentativa de Flávio em vincular a retirada do nome de Moraes da lista da Magnitisky a uma improvável anistia a seu pai, o certo é que, nos entendimentos diplomáticos que realmente avançaram entre os dois países, a preocupação com os problemas internos do Brasil é secundária. As negociações envolvem questões que, aos olhos dos interesses americanos, têm muito mais importância do que qualquer assunto relacionado com a política brasileira.

Trump recuou? Sim, recuou. Mas, em seu círculo mais próximo, há sinais de que a história ainda está sendo escrita e que, agora, a bola está com o Brasil. Ou seja, chegou a vez do governo brasileiro dar um sinal público de disposição em adaptar seu discurso a uma realidade menos hostil aos Estados Unidos. E, a despeito dos elogios que Lula tem feito a Trump de algum tempo para cá, o fato é que, até agora, não houve qualquer mudança visível na postura do Brasil em relação a temas sensíveis, que causam incômodo e contrariam os interesses do governo americano.

Na segunda-feira passada, por exemplo, o assessor especial para Assuntos Internacionais de Lula, Celso Amorim, deu curso a sua infinita capacidade de dizer impropriedades ao se pronunciar sobre a crise na Venezuela. Numa entrevista ao diário esquerdista inglês The Guardian, Amorim criticou a ordem de fechamento do espaço aéreo da Venezuela dada por Trump. E disse que “se houver uma invasão, uma invasão real, acho que, sem dúvida, veríamos algo semelhante ao Vietnã. Em que escala é impossível dizer”.

Comparar as consequências do que está acontecendo na Venezuela ao que se passou no Vietnã até meados dos anos 1970 revela, na melhor das hipóteses, o desconhecimento total de Amorim em relação às circunstâncias históricas da guerra entre os Estados Unidos e o país do sudeste asiático. E, na pior das hipóteses, a torcida para que o esforço de Trump pela remoção do ditador Nicolas Maduro do poder fracasse como fracassaram as tentativas dos presidentes americanos Lyndon Johnson e Richard Nixon de, em plena Guerra Fria, conter o avanço do comunismo na Ásia.

Seja como for, é o tipo do ponto de vista desnecessário, que nada acrescenta ao esforço necessário que o Brasil precisa fazer para demonstrar que não está disposto a se manter em litígio com os Estados Unidos. Outra declaração sensível foi dada pelo próprio Lula. Na sexta-feira passada, o presidente voltou a subir o tom e a defender o controle das Big Techs, um tema incômodo para a administração americana. Lula, que já culpou as redes sociais pela propagação de discursos de ódio e pelos atentados contra as crianças, agora as responsabiliza pelo aumento da violência contra a mulher.

“As redes digitais precisam ser responsabilizadas pela publicação sistemática de discurso de ódio e incentivo a violência contra mulheres”, disse o presidente na sexta-feira. “A liberdade de expressão não pode ser confundida com cumplicidade na prática de crimes hediondos. É inaceitável que as plataformas digitais continuem a fingir que não têm qualquer responsabilidade pelo conteúdo criminoso publicado em sua rede”.

Em tempo: a redução da pressão sobre as empresas de tecnologia é um dos pontos que os Estados Unidos cobram do Brasil na extensa lista de exigências que vem sendo feitas. E Lula já teria, inclusive, se comprometido com um recuo estratégico em relação a isso. Também será preciso haver debates em relação ao acesso dos Estados Unidos às terras raras de que o Brasil tem em abundância, mas que nunca se preocupou em explorar. Ou seja, a persistência do Brasil no tratamento que dá a esses assuntos pode contrariar a Casa Branca e fazer os avanços que hoje até aqui retornarem à estaca zero. Um pouco de moderação e de continência verbal não faria mal a ninguém.

Em meio a essa confusão, o ideal seria que o relacionamento com os Estados Unidos fosse tratado como uma questão de Estado, e não de governo. E que o debate em torno desse tema se desse à margem dos interesses eleitorais que reduzem qualquer assunto a uma disputa entre lulistas e bolsonaristas.

“Você é o cara”

Seja como for, e levando em conta que nada impedirá que qualquer disputa no Brasil seja tratada como uma queda de braços entre a esquerda e a direita, a candidatura de Flávio Bolsonaro pelo menos trouxe um novo ingrediente para a disputa eleitoral que acontecerá no próximo ano no Brasil. Esse ingrediente consiste, justamente, na possibilidade de incluir na pauta temas que ultrapassem a zona de conforto que, até aqui, tem feito com que as iniciativas eleitorais de Lula navegassem até aqui em águas tranquilas e livres de qualquer risco de borrasca.

O senador, até aqui, atropelou todos os protocolos que costumam cercar o lançamento de uma candidatura à presidência da República. Não discutiu com ninguém a conveniência de fazer o que estava fazendo. Segundo suas próprias palavras, apenas comunicou a um grupo seleto de correligionários que seguiria seu caminho.

O senador não procurou o apoio de quem quer que fosse nem seguiu os rituais que normalmente antecedem o lançamento de uma pré-candidatura ao cargo mais elevado do país. Não fechou alianças nem ofereceu a vaga de vice em sua chapa em troca de apoio. Apenas anunciou que seu pai apontou o dedo em sua direção e decidiu: “você é o cara”!
Fez tudo ao contrário do que normalmente se faz e, mesmo assim, passou a ocupar o centro da cena como um candidato que, no mínimo, merece ser levado a sério.

Se ele será capaz de catalizar as forças de oposição e se firmar como um nome alternativo ao de Lula nas urnas do próximo ano são outros quinhentos. O que conta, por enquanto, é saber que a entrada em cena do nome de Flávio Bolsonaro na disputa causou confusão, obrigou a um realinhamento de forças no espectro político. E mostrou com clareza que, agora sim, a campanha para 2026 deixou de ser uma caminhada solitária do presidente Lula e passou a ter um elemento real de polarização.

Aguardemos as cenas dos próximos capítulos.

(*) Empresário luso-brasileiro

Fonte: https://ultimosegundo.ig.com.br/colunas/nuno-vasconcellos/2025-12-14/a-corrida-esta-apenas-no-comeco.html

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