Mel, peixe e calçados pagam a conta enquanto parte do agro respira após recuo dos EUA

Embora o cenário de tensão comercial tenha arrefecido para grandes commodities como café em grão, carne bovina e frutas, uma parcela significativa da produção brasileira ainda enfrenta dias difíceis. Mais de um terço das mercadorias nacionais continua sob a pesada tarifa de 40% imposta pelos Estados Unidos, criando um cenário de incerteza para produtores de mel, pescados, máquinas e calçados.

A retirada parcial das taxas, ocorrida há um mês, trouxe alívio para alguns gigantes do agronegócio, mas deixou de fora segmentos que dependem intensamente do mercado americano e que agora veem sua competitividade derreter diante de concorrentes estrangeiros isentos dessas cobranças.

O drama da piscicultura e dos pequenos produtores

A situação é particularmente delicada para quem vive da piscicultura. Dados da Associação Brasileira das Indústrias de Pescado indicam que o setor encolheu e as perdas estimadas em exportações já giram em torno de US$ 250 milhões apenas em 2025. O caso da tilápia ilustra bem o tamanho do problema. No início do ano, quase a totalidade da produção brasileira desse peixe, cerca de 99%, tinha como destino as mesas norte-americanas. Com a barreira tarifária, a Associação Brasileira da Piscicultura projeta que esse percentual pode despencar para perto de zero.

O impacto social é ainda mais visível na produção de mel, uma atividade majoritariamente composta por agricultores familiares. A guerra comercial atinge em cheio o sustento dessas famílias, uma vez que mais da metade do mel produzido no Brasil era enviado para os Estados Unidos. A Associação Brasileira dos Exportadores de Mel tem buscado caminhos diplomáticos para resolver o impasse, alertando que a continuidade das taxas ameaça toda a cadeia produtiva.

Indústria prevê demissões e perda de espaço

Enquanto o campo tenta se ajustar, o chão de fábrica já sente os efeitos práticos da redução nas vendas. A indústria calçadista, que viu suas exportações para os EUA caírem mais de 23% nos últimos quatro meses, alerta para um cenário de desemprego. A Associação Brasileira das Indústrias de Calçados aponta que, se as tarifas permanecerem, até 8 mil postos de trabalho podem ser fechados em 2026. Somente em outubro, 1.650 demissões já foram registradas em decorrência direta dessa taxação.

O setor de máquinas e equipamentos vive drama semelhante. A participação do Brasil no mercado americano caiu pela metade, saindo de 27% para apenas 13%. A Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos destaca que a busca por novos mercados não é uma solução imediata, pois outros países dificilmente absorvem o mesmo volume de compras e condições comerciais que os Estados Unidos ofereciam. O temor é que a substituição do produto brasileiro por concorrentes se torne permanente.

Café solúvel e a busca por alternativas

Existe uma distinção importante no setor cafeeiro. Enquanto o grão cru vê perspectivas de melhora, o café solúvel enfrenta o risco de perda definitiva de mercado. As vendas para os Estados Unidos caíram 52% em volume desde agosto.

Ainda que a Rússia tenha assumido a liderança como principal destino do produto em outubro, o mercado russo não possui a mesma demanda e nem oferece a mesma rentabilidade do mercado americano, o que comprime as margens dos produtores nacionais.

Resiliência e diversificação de mercados

Apesar das dificuldades localizadas, a economia brasileira tem demonstrado capacidade de adaptação. O total das exportações agrícolas cresceu 1,7% no acumulado do ano, mesmo com uma queda de 38% nas vendas para os EUA entre agosto e novembro.

Especialistas avaliam que o impacto geral das tarifas acabou sendo menor do que o cenário catastrófico desenhado inicialmente. A economista Carla Beni, da FGV, analisa que a crise forçou o Brasil a diversificar seus parceiros comerciais, o que pode fortalecer a economia a longo prazo. A presença mais forte em mercados como a Europa e a Ásia pode, inclusive, acelerar novos tratados comerciais.

Um exemplo prático dessa resiliência vem do setor de carnes. Para fugir das taxas, os frigoríficos redirecionaram rapidamente 60 mil toneladas de produtos para mais de 160 destinos, incluindo Chile, Rússia e países asiáticos. Embora essa manobra tenha reduzido a margem de lucro, ela garantiu o volume de vendas. O presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes, Roberto Perosa, destaca que o setor já superou os resultados de 2024 em faturamento e volume, provando que é possível sobreviver sem a dependência exclusiva do comprador norte-americano.

O efeito no consumidor americano

A política protecionista também cobra seu preço do outro lado da fronteira. A taxação de produtos estrangeiros elevou o custo de vida nos Estados Unidos. Itens básicos do cotidiano, como o suco de laranja, o cafezinho e o hambúrguer, ficaram mais caros para o consumidor americano.

Enquanto a diplomacia não resolve as pendências restantes, o produtor brasileiro segue estocando o que pode, como é o caso do café em grão, e buscando novos compradores globais, redesenhando a geografia do comércio exterior nacional para 2026.

Fonte: https://agroemcampo.ig.com.br/2025/noticias/tarifas-dos-eua-ainda-ameacam-milhares-de-empregos/

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