Novas regras para crimes sexuais no Brasil – LEI 15.280/2025

Por Sergio Couto Junior (*)

A violência sexual cometida contra vulneráveis representa, historicamente, um dos maiores desafios do Estado brasileiro no tocante à proteção integral de crianças, adolescentes e pessoas com deficiência. Nesse cenário, torna-se indispensável refletir criticamente sobre a recente aprovação da Lei 15.280/2025, que altera de modo profundo a legislação penal, processual e protetiva, modificando penas, mecanismos de investigação e procedimentos de execução penal.

Assim, a presente dissertação examina as bases anteriores, a nova legislação, quem são os sujeitos ativo e passivo, os principais avanços, possíveis riscos e desafios estruturais, culminando com uma conclusão fundamentada. Trata-se de um assunto de elevada complexidade jurídica e social, pois envolve segurança pública, defesa das garantias individuais e proteção da dignidade humana.

A legislação anterior e o contexto que impulsionou a mudança

Para compreender a magnitude da mudança normativa, é fundamental observar inicialmente qual era a legislação anterior. O Código Penal, desde 2009, já previa o crime de estupro de vulnerável (Artigo 217-A), punindo quem tivesse conjunção carnal ou praticasse ato libidinoso com menor de 14 anos, independentemente de consentimento, experiência sexual ou aparência física. A pena prevista era de reclusão de 8 a 15 anos, podendo chegar a 20 se houvesse lesão corporal grave e a 30 em caso de morte. Pessoas com enfermidade ou deficiência mental que não tivessem discernimento ou não pudessem oferecer resistência também eram protegidas, seguindo a lógica de presunção absoluta da vulnerabilidade.

A legislação anterior classificava tais crimes como hediondos, vedando anistia, graça e indulto, e tornando obrigatório o regime inicial fechado. Complementarmente, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) tratava de medidas de proteção, responsabilização e prevenção, formando a base do sistema.

Entretanto, a sociedade já percebia lacunas importantes. A reincidência em determinados crimes sexuais era elevada, o que exigia maior controle e instrumentos mais eficientes de investigação. Além disso, o avanço tecnológico ampliou o alcance do abuso, principalmente na internet, tornando urgente repensar mecanismos de responsabilização digital. Havia também problemas práticos na execução penal, incluindo progressões beneficiadas mesmo em casos extremamente graves. Tais aspectos criaram pressão social e política que, finalmente, impulsionaram a aprovação da nova lei.

Principais alterações introduzidas pela Lei 15.280/2025

A Lei 15.280/2025 surge como resposta legislativa, inspirada na necessidade de tornar o combate a crimes sexuais contra vulneráveis mais rigoroso e abrangente. Entre as mudanças mais expressivas, observa-se o aumento de pena para diversos crimes. O estupro de vulnerável, por exemplo, passa a ser punido com reclusão de 10 a 18 anos (antes 8–15), elevando-se para 12 a 24 anos (antes 10–20) em caso de lesão corporal grave, e de 20 a 40 anos (antes 12–30) em caso de morte.

Outros crimes também tiveram a reprimenda aumentada, como a corrupção de menores, com pena elevada para reclusão de 6 a 14 anos (antes 1 a 4 anos); o ato de ter relações sexuais na presença de menor de 14 anos, com pena de 5 a 12 anos (antes 2 a 5); a exploração sexual (submeter menor à exploração), que passa de 4–10 anos para 7–16 anos; e o oferecimento, transmissão ou venda de cenas de estupro, com reclusão de 4 a 10 anos (antes 1–5).

Além do aumento da punição, a lei estabelece mecanismos de controle e investigação mais rígidos:

  • Banco de Perfis Genéticos: Determina a extração de DNA de investigados ou condenados por crimes contra a dignidade sexual, com inserção no Banco Nacional de Perfis Genéticos, fortalecendo a capacidade investigativa.
  • Monitoramento e Saídas: Estabelece a obrigatoriedade de uso de tornozeleira eletrônica para condenados por crimes sexuais contra vulneráveis que usufruírem de benefícios que impliquem saída do presídio.
  • Progressão Condicionada: O condenado somente poderá progredir para regime mais brando ou obter benefício penal de saída se um exame criminológico indicar que não há risco de reiteração do crime da mesma natureza.
  • Medida Protetiva: Criação de crime autônomo para o descumprimento de medida protetiva de urgência, com pena de 2 a 5 anos e multa.
  • Afastamento do Agressor: O juiz pode determinar o afastamento do agressor do convívio com vulneráveis, incluindo a proibição de trabalhar em ambientes como escolas, creches, transporte escolar ou igrejas.
  • Responsabilidade Digital: Obriga provedores de conteúdo digital (big techs) a remover conteúdos de aparente exploração, abuso sexual, sequestro ou aliciamento de vulneráveis, e a comunicar as autoridades, mesmo sem ordem judicial prévia.
  • Rede de Proteção: Ampliação da rede de proteção, prevenção e atendimento, garantindo assistência médica e psicológica especializada às vítimas, estendendo o amparo a familiares e cuidadores no caso de pessoas com deficiência.

Sujeitos e o equilíbrio entre avanço e riscos

Quanto aos sujeitos do crime, o ativo pode ser qualquer pessoa física, sem distinção de gênero, parentesco ou posição hierárquica, incluindo a responsabilização indireta de quem produz, transmite ou comercializa material ilícito. No tocante ao sujeito passivo, há uma visível ampliação da proteção, considerando vulnerável não apenas crianças e adolescentes, mas a pessoa com deficiência ou incapacidade de consentimento.

Nesse contexto, identificam-se pontos positivos relevantes. O aumento das penas reforça a função preventiva do Direito Penal, e o fortalecimento de instrumentos de investigação, como o banco de perfis genéticos, auxilia na elucidação de crimes de difícil prova. Além disso, a lei concretiza um atendimento humanizado ao estender políticas de atendimento psicológico, campanhas educativas e a proibição de atividades em ambientes com vulneráveis.

Todavia, torna-se indispensável reconhecer riscos e desafios. O primeiro deles é o perigo de banalização do princípio da proporcionalidade penal, já que a elevação generalizada de penas pode desconsiderar diferenças concretas entre condutas. Isso pode comprometer a individualização da pena. Em segundo lugar, a coleta de DNA, embora positiva, pode suscitar preocupações quanto à privacidade, tratamento de dados genéticos e potenciais abusos estatais. Por fim, ao impor novas atribuições, há o risco de sobrecarga do sistema judiciário e dos órgãos psicossociais, resultando em legislação eficaz apenas no papel.

Conclusão

Em síntese, a Lei 15.280/2025 representa um avanço significativo no combate aos crimes sexuais contra vulneráveis, fortalecendo mecanismos repressivos, investigativos e preventivos. Ela demonstra que o Estado reconhece a gravidade desses delitos e busca proteger de modo mais amplo os direitos fundamentais.

No entanto, o sucesso dessa legislação dependerá de sua aplicação concreta, da competência dos operadores, da estrutura institucional e do equilíbrio necessário para preservar as garantias individuais, evitando excessos ou violações processuais. Conclui-se, portanto, que a referida lei, embora possua inegáveis méritos, exigirá vigilância permanente, análise crítica e atuação responsável de todos os atores jurídicos envolvidos para cumprir sua finalidade primordial: assegurar que vulneráveis vivam sob a proteção do Estado e longe das graves violações que o crime sexual impõe.

Em casos envolvendo crimes contra a dignidade sexual em um país onde há liberdade e democracia, é imprescindível ressaltar a atuação especializada de um advogado criminal especialista em crimes sexuais.

 (*) é Advogado Criminal Especialista em Crimes Sexuais, ex-Policial Civil por 11 anos e advogado há quase 20 anos. Palestrante e Professor de Direito Criminal. Cidadão Atuante por uma sociedade mais justa e próspera.

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