
Um estudo do Observatório Opará, da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), denuncia que a Lei de Cotas de 2014 — que reserva 20% das vagas em concursos públicos federais para pessoas negras (pretas ou pardas) — está sendo sabotada por mecanismos de racismo institucional dentro da burocracia estatal.
A pesquisa analisou 110 instituições federais de ensino e resultou no livro “A Mão Invisível do Racismo Institucional e a Sabotagem da Lei de Cotas”, que foi lançado no final de outubro.
Burocracia impede cumprimento da Lei
De acordo com o livro, a burocracia estatal impede a efetiva aplicação da Lei de Cotas por meio da inércia, omissão ou até mesmo do bloqueio proposital. A pesquisadora e doutora Wanessa Nascimento e outros cotistas tiveram seu direito tolhido em um certame para o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), que está sob questionamento judicial.
Para Wanessa Nascimento, a obra escancara, com dados oficiais, como o racismo institucional opera de forma silenciosa, resultando em milhares de vagas que deveriam ter sido preenchidas por pessoas negras na última década e que simplesmente não foram.
“O livro explica que, muitas vezes, a discriminação não aparece de forma explícita. Ela aparece em procedimentos, normas internas, interpretações restritivas e até em metodologias aparentemente neutras e/ou burocráticas — como sorteios, critérios aleatórios ou decisões administrativas que acabam impedindo que a lei seja cumprida de verdade”, disse a pesquisadora.
O caso do sorteio aleatório de vagas
A doutora Wanessa Nascimento, aprovada em primeiro lugar entre os candidatos negros de sua área no concurso do Inpa, sentiu o impacto desses mecanismos.
- Em vez de seguir o previsto na lei, o concurso utilizou um sorteio aleatório para decidir em quais áreas a política afirmativa seria aplicada.
- Esse procedimento, já considerado ilegal pela Justiça Federal em outro caso idêntico, fez com que a vaga reservada para a especialidade de Wanessa Nascimento simplesmente não existisse, pois não foi “sorteada”.
“É exatamente esse tipo de mecanismo — aparentemente neutro, mas que prejudica diretamente pessoas negras aprovadas — que o Opará chama de racismo institucional”, criticou ela, destacando que a prática impede carreiras e frustra o objetivo da Lei de Cotas.
Universidade nomeou 1ª cotista após 8 anos
O estudo que deu origem ao livro começou a partir do caso da própria Univasf, que nomeou sua primeira professora por cotas apenas em 2022. Entre 2014 e 2021, a instituição não contratou docentes negros por meio da reserva de vagas prevista em lei. A investigação revelou que o problema é estrutural em diversas instituições federais.
O livro foi organizado pelos professores Edmilson Santos dos Santos e Ana Luísa Araújo de Oliveira, a primeira docente negra nomeada por cotas na Univasf.
- “A atuação do Observatório junto a órgãos federais e universidades revelou uma contradição profunda: o mesmo Estado que promulga leis de igualdade racial é aquele que, por meio de sua burocracia e omissões, sabota a execução dessas políticas”, afirma a professora Ana Luísa.
Ação no Supremo Tribunal Federal (STF)
O caso do sorteio aleatório de vagas em concursos públicos, que prejudicou Wanessa Nascimento e outros concursados, levou o partido Rede Sustentabilidade (Rede) a ingressar com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF).
A ação questiona a constitucionalidade do dispositivo de sorteio e começou a tramitar em julho, sob a relatoria do ministro Dias Toffoli. Até o momento, nenhuma decisão foi emitida.
Assessoria de comunicação: Lucas dos Santos (MTB: 0001587/AM)











