BR-319 volta a ser asfaltada, mas especialistas criticam “migalhas” e cobram medidas sérias

Foto: Divulgação

Por Juscelino Taketomi

O asfaltamento de 20 quilômetros da BR-319, entre os quilômetros 198,2 e 218,2, anunciado pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), reacendeu o debate sobre a real prioridade da rodovia na agenda nacional de infraestrutura.

A obra, orçada em R$ 18,5 milhões e incluída no Novo PAC, foi celebrada por autoridades locais, mas recebeu críticas duras de especialistas que acompanham a novela da estrada há décadas.

A BR-319, que liga Manaus a Porto Velho, é considerada vital para a integração rodoviária da Amazônia com o restante do país. Contudo, desde os anos 1980 enfrenta abandono, longos períodos de atoleiros e disputas judiciais e ambientais.

Agora, com a promessa de avanço no chamado Lote C, um trecho de 52 km, as dúvidas sobre a efetividade dos investimentos voltaram à tona.

“Sempre de pires na mão”

O professor Marcos Maurício, da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), foi contundente ao analisar o anúncio. Para ele, a falta de prioridade histórica do Amazonas em infraestrutura rodoviária ficou cristalizada desde 1995, quando o governo estadual extinguiu o Departamento de Estradas de Rodagem (DER-AM).

Segundo o pesquisador, enquanto Rondônia já prepara duplicações de rodovias federais e Roraima avança em projetos de integração multimodal via porto de águas profundas em Palmyra e rodovias totalmente asfaltadas, o Amazonas “sofre e implora” por um mínimo de trafegabilidade.

“Ora, quando o referencial é a lama e os atoleiros, trafegar pela BR-319 enfrentando poeira e pedras soltas pode até ser considerado um avanço. Mas basta ir a outros estados para perceber o atraso e a falta de compromisso com a nossa realidade. Estamos sempre de pires na mão, à espera de uma migalha para sair do isolamento rodoviário”, criticou.

Maurício ressalta que os atuais 20 quilômetros de asfalto e os próximos 32 km em licitação representam muito pouco diante dos 405 km do Trecho do Meio, onde a estrada se torna praticamente intrafegável durante o inverno amazônico.

Ele lembra ainda que, em julho deste ano, um novo acordo entre os ministérios do Meio Ambiente e dos Transportes determinou a realização de uma Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) para esse trecho. Isso, na prática, exigirá um novo Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e também um Estudo do Componente Indígena (ECI), o que pode atrasar ainda mais o projeto.

“Se começarmos tudo do zero, não acredito que veremos asfalto no Trecho do Meio nos próximos 15 anos. Como já disse o ex-ministro Alfredo Nascimento: a BR-319 não será repavimentada”, ressaltou o professor.

Dívida histórica de 20 anos

Para André Marsílio, presidente da Associação de Amigos e Defensores da BR-319, o caso do Lote C é o retrato de uma dívida histórica do Governo Federal com o Amazonas. Ele lembra que, desde 2007, havia autorização para a repavimentação desse trecho, mas uma sucessão de falhas administrativas, irregularidades e empresas ineficientes impediram que a obra fosse concluída.

Segundo Marsílio, ao longo dos últimos 20 anos mais de dez empresas assumiram o compromisso de recuperar os 52 km do Lote C, mas nenhuma entregou o prometido. Até mesmo o Exército chegou a atuar, mas também enfrentou denúncias de improbidade administrativa.

“A gente comemora esses 20 km agora, mas nunca vai saber quanto foi gasto ao certo nesses 52 km ao longo de quase duas décadas. Muito dinheiro foi usado, mas com pouquíssima fiscalização por parte da nossa bancada federal”, criticou.

Marsílio também apontou para a inauguração da Ponte do Rio Curuçá, que colapsou há três anos e só agora foi reconstruída. Para ele, a obra simboliza a falta de transparência e de acompanhamento sério das intervenções na BR-319.

“A gente não sabe exatamente quanto foi gasto na ponte do Curuçá e nem na do Autaz Mirim. Nós, da Associação, fiscalizamos de perto e denunciamos problemas, mas a bancada federal se omitiu. Minha indignação é essa: que nossos parlamentares olhem com mais carinho para a BR-319 e não usem a bandeira da rodovia apenas em tempos de eleição”, afirmou.

Dilema amazônico

Apesar das críticas, o DNIT e lideranças políticas regionais apostam que o avanço das obras no Lote C representa um passo importante para a sonhada reabertura plena da BR-319.

O superintendente do DNIT no Amazonas, Orlando Fanaia, lembrou que a população aguarda há mais de 15 anos por esse investimento e garantiu que os trabalhos seguem em ritmo acelerado.

No entanto, especialistas como Marcos Maurício e ativistas como André Marsílio reforçam que a recuperação da rodovia não pode se limitar a trechos pontuais, sem planejamento integrado, nem ser usada apenas como vitrine política.

Enquanto isso, a BR-319 continua simbolizando o dilema amazônico: entre a necessidade de integração e desenvolvimento econômico e as barreiras políticas, ambientais e administrativas que transformaram a estrada em uma novela de meio século.

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