O Brasil de Janja

Nada poderia mostrar tão bem esse país subdesenvolvido, trapaceiro e burro quanto o festival que a primeira-dama acaba de montar para si própria na Olimpíada de Paris

"Janja da Silva não é uma mulher capaz de se vestir com elegância" - Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock

Por J. R. Guzzo (*)

Janja da Silva, para ir diretamente ao assunto, não é uma mulher capaz de se vestir com elegância. Não é culpa dela, e muito menos uma falha moral, mas é aí que está: há mulheres que são elegantes e mulheres que não são. Janja não é. Coco Chanel, se ainda estivesse viva e fosse consultada pela primeira-dama, poderia lhe dar um conselho que ajudou muita gente boa: “Não perca tempo batendo numa parede na esperança de abrir uma porta”. Não vai rolar nunca — se você não nasceu elegante, e nem aprendeu a ser, não insista em ficar mudando de roupa, em trocar de estilista a cada meia hora e, sobretudo, em gastar dinheiro, mesmo que não seja seu. Uma mulher chic deixa sempre, em qualquer circunstância, a lembrança do seu valor como mulher. Uma mulher brega deixa apenas a lembrança da roupa que vestiu. A solução, para quem não consegue se vestir bem, é aparecer o tempo todo com roupas rigorosamente discretas — coisas neutras, básicas, modestas, bem talhadas e que, mais do que tudo, não sejam lembradas por ninguém no dia seguinte.

Janja faz exatamente o contrário. Não pode ver uma jaca sem meter o pé em cima — e o resultado dessa ideia fixa de chamar a atenção com o seu estilo é que ela acaba, realmente, chamando a atenção, mas não mostra estilo nenhum. A questão não está só na roupa, é claro. Se ela quer se vestir com um guarda-roupa de Projac e o senso estético de estilista de subúrbio, mas ficar nisso, tudo bem — mas Janja não quer ficar nisso. Quer, acima de qualquer coisa, ser mais do que é, e aí cria um problema e tanto. Se há uma coisa que nenhum governo precisa neste mundo, sobretudo num país desesperadamente atrasado como o Brasil, é criar baixo-astral, falatório e conversinha boba com a primeira-dama. Já não chega o presidente? No caso de Lula, seria uma bênção que os brasileiros fossem poupados, pelo menos, do convívio com sua mulher — e desse “Janjapallooza” permanente, e pago com fortunas cada vez maiores de dinheiro público, para construir a “imagem” de Janja. Mas não. Do jeito que está, o país tem de pagar duas vezes para o mesmo show.

É caro. Enquanto todos os outros presidentes do Brasil se limitaram a distribuir os problemas que eles próprios criaram, Lula dobrou a dose e acrescentou à sua folha corrida, que caminha para ser a pior de todas as que já foram registradas na história, a conduta de Janja. Trata-se de um desastre em moto-contínuo. Desde o dia da posse, quando deixou claro que iria sempre se exibir mais do que o marido em qualquer cerimônia pública, Janja não largou mais o osso — nem a ficção de que está sendo uma segunda Evita Perón 80 anos depois da original, como se isso fosse possível e como se alguém precisasse de outra Evita Perón hoje em dia. O resultado é isso que se vê aí. Uma figura que desfila há um ano e meio pelo mundo e pelo Brasil numa posição de “protagonismo” mal resolvido — roupa ruim, discurso ruim, turma ruim e, sobretudo, um ar de deslumbrada que descobriu de repente o Erário e opera com um princípio só: “Aproveita, que está tudo pago”. É o Brasil de Janja.

Nada poderia mostrar tão bem esse Brasil subdesenvolvido, trapaceiro e burro quanto o festival que Janja acaba de montar para si própria na Olimpíada de Paris. Foi tudo errado. Ela não foi convidada por ninguém — e por uma questão elementar de boa educação não poderia ter ido à festa. Mas arrancou uma credencial do Comitê Olímpico do Brasil, como o penetra que descola um crachá para entrar no camarote vip em desfile de escola de samba. Como não tinha nada que fazer em Paris, não fez nada. Foi a uma recepção que o presidente Emmanuel Macron, como anfitrião, ofereceu a um monte de gente; entrou, tirou foto e sumiu. Apareceu, em outra foto, com um esquadrão francamente assustador de parceiras, irmãs e camaradas do governo Lula — chamando atenção, mais uma vez, pela coincidência de nunca tirar fotografia ao lado de mulher bonita. Também se fez ver, com um sorriso congelado, junto a jogadoras de futebol feminino com cara de missa de sétimo dia, após mais uma derrota. Num momento de superação, gravou a si mesma lendo um discurso desconexo, com legendas em inglês, no qual dizia que o mundo deve se unir para acabar “com a fome”.

A excursão de Janja a Paris é a cara do governo Lula — uma aberração que gastou, só nos sete primeiros meses deste ano, mais de R$ 830 milhões com viagens, depois de ter gastado mais de R$ 2 bilhões no ano passado

Tudo isso fica uma coisa ainda mais escura quando se faz as contas de quanto Janja torrou em dinheiro do pagador de impostos com o seu passeio a Paris — justo na hora em que ela fala de “fome” e o seu marido exige mais imposto para ajudar os “pobres”. A primeira-dama conseguiu levar consigo sete assessoras e assessores pessoais, com diárias de R$ 6,5 mil a R$ 23 mil, mais passagens, mais o resto, tudo pago por você. São três da Secretaria de Comunicações, três do Gabinete da Presidência e mais um do Cerimonial do Planalto, e pelo menos meia dúzia de seguranças. Uma equipe foi escalada apenas para filmar Janja indo de um lado para o outro. Que interesse público pode haver nisso? Por que uma pessoa precisaria de sete outras para uma viagem em que não vai fazer nada? E por que precisaria ir a Paris falar sobre a fome, quando pode muito bem falar aqui mesmo? Porque tudo é pago com DDO, o recurso mais abundante do governo Lula — “Dinheiro Dos Outros”.

A excursão de Janja a Paris é a cara do governo Lula — uma aberração que gastou, só nos sete primeiros meses deste ano, mais de R$ 830 milhões com viagens, depois de ter gastado mais de R$ 2 bilhões no ano passado. Janja, na verdade, é um produto direto desse Brasil onde o governo funciona como uma usina de reprocessamento permanente da mentira — entra um caminhão de mentira bruta de um lado, sai mentira compactada de outro. Ela própria é uma contrafação ambulante. É a “mãe dos pobres” que detona fortunas vindas do Erário com a compra de sofás, tapetes e lençóis de algodão de “linho egípcio”. É quem garante que o imposto que criaram sobre as “blusinhas” vai ser pago “pelas empresas”, e não pelo comprador — “o ministro Haddad” garantiu a ela. É quem monta uma encenação com mochilas de alimentos sentadas, uma a uma, nas poltronas de um avião prestes a decolar rumo às enchentes do Rio Grande do Sul — como se pacotes de socorro a uma tragédia viajassem com lugar marcado.

Dias atrás o terceiro andar do Palácio do Planalto foi reformado para aumentar a sala de Janja, que não tem nenhum direito de despachar lá, já que não tem cargo nenhum no governo. (É mais ou menos como o ministro Juscelino, o das estradas pagas pelo governo em frente à sua fazenda, cujo pai dá audiências na sua antessala.) A expansão do território de Janja empurrou para outro canto o ministro de fato do Exterior, Celso Amorim, e mais dois gatos gordos do Palácio do Planalto. Nenhum dois três vai abrir o bico, porque têm medo dela e não querem problema — a posição básica de dez entre dez das figuras que hoje governam o Brasil. Mas não é mistério para ninguém que a “coordenação política” de Lula esteja na condição em que está, se a coordenadora é a sua mulher, e se ela funciona assim. O presidente não vê nada de mais — da mesma forma como não viu “nada de mais” na fraude especialmente repulsiva que Nicolás Maduro acaba de cometer nas eleições da Venezuela.

Vai continuar não vendo, e todos eles, Lula, Janja e o governo, vão continuar mentindo. “O ato de mentir não se destina a fazer que as pessoas acreditem na mentira, mas em garantir que ninguém acredite mais em nada”, dizia Hannah Arendt. É um resumo do Brasil de hoje — e isso é pior do que qualquer breguice. Um povo que não consegue mais distinguir verdade de mentira, conclui Arendt, é um povo que não consegue mais distinguir o certo do errado. Não há nada mais importante para o primeiro casal e para todos os que só podem sobreviver nesse regime.

A primeira-dama Janja da Silva posou para fotos ao lado da carga de suprimentos para as vítimas no Rio Grande do Sul – Foto: Cláudio

(*) J. R. Guzzo é jornalista. Integrante do Conselho Editorial de Oeste, foi um dos criadores da Veja, revista que dirigiu durante quinze anos, a partir de 1976, período em que sua circulação passou de 175.000 para 1 milhão de exemplares semanais. Correspondente em Paris e Nova York, cobriu a guerra do Vietnã e esteve na visita do presidente Richard Nixon à China, em 1972. Responsável pela criação da revista Exame, atualmente escreve no Estado de S. Paulo e na Gazeta do Povo.

Fonte: https://revistaoeste.com/revista/edicao-228/o-brasil-de-janja/

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